Instantâneos do Brasil
Corruptos de estimação verga para a esquerda, embora Juremir Machado da Silva complexifique tudo e não deixe o leitor nem um pouco certo das coisas
A política é um dos focos de Juremir Machado da Silva. Não é o único, nem — me parece — o mais importante. Mas é um dos que mais lhe dá visibilidade. Nesta época de visões de mundo acirradas falar de política ou de questões sociais gera o interesse: para amar ou odiar. (O outro foco da personalidade pública de Juremir que lhe garante uma existência visível para o grande público é o debatedor futebolístico; um de seus achados humorísticos deste ano foi afirmar, já na primeira rodada do Brasileirão, que o Internacional iria beijar o rodapé da tabela; tardou mas a coisa está chegando.) No entanto, por mais importantes que certas posições possam significar (o embate entre golpe e impeachment, por exemplo), tudo é no fundo um pretexto para que o leitor menos preparado possa ir aos poucos aproximando-se do privilegiado raciocínio verbal de Juremir. Ele escreveu um dia destes um texto maravilhoso sobre a poesia e a morte do poeta espanhol Federico García Lorca; mas quem se interessará? Talvez se o leitor da política e do futebol for atraído pelas provocações brincalhonas de Juremir, possa ir ao encontro do outro Juremir, o cronista que dialoga, em tema e forma, com a poesia.
Mas aqui o assunto é o novo livro de crônicas de nosso autor. Corruptos de estimação (e outros textos sobre o golpe hiper-real (2016), é uma coletânea de crônicas que os que acompanhamos a atividade jornalística de Juremir já topamos antes no jornal; o que une estas crônicas é uma visão do país destes dias em que os corruptos do PT ajudam a derrubar um partido do governo mas os corruptos que cercam Michel Temer não servem para abalar sua interinidade. Um instantâneo do Brasil atual. No calor da hora. Mas a que a verve literária de Juremir aponta para algo que pretende transcender o tempo atual e chegar ao futuro, pois não é este o país do futuro?
Eu vou fazer o contraponto do livro de Juremir com um livro de crônicas jornalísticas de outro autor gaúcho, A graça de falar do PT, e outras histórias (2015), de David Coimbra. Os dois livros reúnem crônicas que já se leram no jornal antes, e o conjunto das crônicas pretende narrar um momento histórico de nossos dias. David quer ver o Brasil sob o PT, o que foi ou é a sociedade brasileira sob o PT. Juremir identifica o fim do Partido dos Trabalhadores e o que isto significa socialmente. Juremir e David pertencem à mesma geração de jornalistas-escritores, são cidadãos cultos, lidam com questões culturais e no entanto ambos tem algumas pontas no jornalismo esportivo, que é sempre mais assimilável pelo público. Pode-se questionar: por que cérebros assim se dedicam a futebol, quando poderiam falar de livros ou de História em seus textos para jornal, poderiam ser jornalistas culturais e ponto. Juremir é; mas não larga de mão o que pode torná-lo visível. David nunca chegou a sair propriamente do gueto futebolístico; e vai inserindo seus achados culturais no universo de que trata preferencialmente, o futebol.
A graça de falar do PT se inclina para a direita. Embora numa das crônicas David diz preferir, entre as duas, a esquerda: mas é golpe de escrita. Corruptos de estimação verga para a esquerda, embora Juremir complexifique tudo e não deixe o leitor nem um pouco certo das coisas. Hoje em dia, pelas discussões que se veem por aí, percebe-se que a política e as questões sociais viraram um pouco peças popularescas. Antigamente a política nos debates era uma coisa árida: a mídia de hoje pode transformá-la num espetáculo, numa montagem de atrações. David propõe a graça, a leveza, e aquela superficialidade atraente que o jornalismo pode emprestar à literatura. Não chega a arrancar para o alto do morro. Juremir alimenta o espetáculo social e político brasileiro de reflexões outras que podem permitir chegar ao alto do morro. “No golpe hiper-real, um vírus toma conta das instituições, que funcionam aparentemente na normalidade, mas é só uma ilusão.” Será que o leitor que vive no Brasil dos dias de hoje vai perceber as diferenças de intenções e alvos entre os textos de David e os de Juremir, que se situam aparentemente numa linha próxima? Estas diferenças, que eu posso sentir e outros talvez não, serão uma ilusão, uma percepção, um gosto?
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br