A Arte Evocativa de Assis Brasil

A edificacao do texto de Assis Brasil neste livro se da muito em periodos mais ou menos longos, como uma voz submersa no universo de que trata o ficcionista

21/10/2023 03:33 Por Eron Duarte Fagundes
A Arte Evocativa de Assis Brasil

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Vamos começar pelo posfácio, “que deve ser lido antes”. Nele o romancista Luiz Antonio de Assis Brasil, falando da gênese de seu livro, revela que tudo nasceu duma conversa com sua esposa, Valesca, também escritora, em torno das ideias que circulavam na segunda metade do século XVIII, e a coisa toda caiu em Leopold Mozart, o pai do famoso compositor, este Leopold trazendo dentro de si as novas ideias iluministas e também o catolicismo incondicional que enfrentava algumas ideias de alguns iluministas. Uma indagação de Valesca resume o fogo destes conflitos, acrescendo um outro elemento: “Como ele se sentiria, pensando desta forma e, ainda, sendo pai de um gênio?”

Perseguindo a perplexidade da indagação de Valesca, Luiz Antonio atirou-se, ao longo de quatro anos, à narrativa de Leopold: uma novela (2023). Como a arte tem uma essência socrática (indagar para conhecer), em cada insinuação de resposta trazida pelo relato de Assis Brasil, outras tantas interrogações abrem os sentimentos de aproximação do leitor para com a personagem. Como fez em outras obras  suas (Cães da província, 1987; Videiras de cristal, 1990), o escritor extrai da História personagens e situações, fazendo uma ficção que não desdenha a pesquisa histórica para a encaixar, com senso literário, no que realmente vai importar numa história inventada, a construção narrativa. A inserção da literatura de Assis Brasil no universo da música não se dá a primeira vez neste livro; em Concerto campestre (1997) a música clássica está no campo; em O inverno e depois (2016) o signo de fronteira e uma agudez notável para aproximar-se da sinonímia entre o amor e a arte. Os caminhos de Leopold: uma novela são outros: histórica e esteticamente. No entanto, a constância do rigor formal e da extrema lucidez criativa da escrita se reiteram em seu novo livro, depois de O inverno e depois, o pico da maturidade literária de Assis Brasil, pela associação, às vezes inusitada, entre a beleza da forma e a profundidade com que faz exalar as emoções.

Certo: há Mozart, um dos gênios da humanidade, e sua obra indelével evocados com paixão nas páginas de Leopold: uma novela. No entanto, o elemento central da narrativa —sabemos desde as observações do posfácio, as ideias do século XVIII, a conversa com Valesca pensando no pai do músico— é mesmo Leopold Mozart, a consciência que enxergou a potência musical de Wolfgang Amadeus Mozart, no livro (romance? ou novela como lhe diz o título?) com seu codinome familiar Worferl. Da mesma maneira que no filme Amadeus (1984), de Milos Forman, é o compositor Salieri (aliás, a figura histórica aparece aqui e ali no livro, porém de maneira bastante diferente daquela vista no filme) a personagem central, a que faz as vezes da consciência que vê o gênio musical do outro, assim como Leopold, músico também, se dedica a ser a consciência da arte de seu filho. Sim: o barroquismo fora dos trilhos do grande filme de Forman guarda nenhuma relação com a construção cerebral de Assis Brasil em seu livro. Pode-se ver, a despeito das muitas diferenças de concepção e execução, mais os abismos entre a literatura e o cinema, uma secreta associação dramatúrgica entre o Salieri do filme e o Leopold do livro: ambos carregam a consciência crítica do gênio do outro, Mozart.

Nas cinco partes de que se compõe Leopold: uma novela a narrativa começa, em cada uma delas, pela utilização da terceira pessoa (vagamente onisciente) que em seguida se converte num texto em primeira pessoa, onde o narrador passa, sem ruptura, a voz à personagem de Leopold. Em todas as cinco partes o procedimento se repete: como se fosse uma notação poética; o estribilho de um poema.

A edificação do texto de Assis Brasil neste livro se dá muito em períodos mais ou menos longos, como uma voz submersa no universo de que trata o ficcionista. Pode-se perceber, nas frases, a intenção de um ritmo musical em palavras, um pouco pela poesia do verbo e muito por uma ligação com o tema. “Enquanto escutava a cacofonia das furtivas tosses de inverno abafadas pelos lenços, eu meditava sobre aquela música que, partindo das conquistas sonoras dos irmãos Bach, partindo das evoluções de Manheim, criava algo original, dentro do espírito dos emocionais de hoje.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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