Cinema e Automóvel: Irmãos
Eron Fagundes comenta que O cinema e o automóvel nasceram quase juntos, saiba o que isto significa!
O cinema e o automóvel nasceram quase juntos, como necessidade duma sociedade que exigia o movimento e o deslocamento — a expansão cênica ou geográfica. Juremir Machado da Silva, pensador brasileiro, anotou em seu A sociedade midíocre; passagem ao hiperespetacular (2012): “A modernidade era cinética. Inventou o cinema e o automóvel.”
Se o gene do cinema e do automóvel é o mesmo, o movimento (embora a materialização física deste movimento se dê diferentemente, num caso pelo olhar, no outro pela ocupação do corpo), naturalmente que de alguma forma ambos iriam encontrar-se em nosso universo planetário. O cinema tem utilizado o automóvel para expressar seus movimentos. São inúmeros os casos, do italiano Roberto Rossellini ao iraniano Abbas Kiarostami, passando por Ingmar Bergman, Carlos Saura ou Wim Wenders, em que a câmara se põe ao lado das personagens dentro dum carro.
Mas não é bem disto que trata este artigo. Trata-se aqui do automóvel no cinema como móvel do movimento; uma tentativa de exposição da ação pura do cinema. Fala-se propriamente das perseguições de automóveis na cena cinematográfica.
Um dos mais aludidos filmes de perseguições de automóveis é a produção norte-americana Bullitt (1968), dirigida pelo inglês Peter Yates. Curiosamente o filme tem um compasso narrativo pausado e que o difere das narrativas de ação tal como hoje as entendemos. Mesmo assim, a longa sequência da perseguição de automóvel, culminando com o carro dos vilões incendiando-se impactantemente junto às bombas dum posto de combustível, apesar de começar com um certo vagar, vai explodindo em tensões plásticas que nunca se curvam às tensões dramáticas propriamente. Os planos finais no aeroporto também são de perseguição, mas abdicam do automóvel. As cenas de automóvel estão entre as mais criativas do gênero porque Yates se vale de recursos diversificados para brincar com o ponto-de-vista do espectador: ora a câmara está a bordo do carro e o observador se vê subindo e descendo as lombas em vertigem, ora a câmara vê tudo do lado de fora acompanhando numa montagem de força plástica organizada as desorganizadas reviravoltas dos veículos.
Centrando no exemplo de Bullitt, pode-se pensar em dois outros modelos de automóveis perseguidores no cinema. Um é aquele utilizado pelo americano William Friedkin em Viver e morrer em Los Angeles (1985), um exemplo de voluptuosidade física nas pistas de rodagem. Outro modelo é o de Quentin Tarantino em À prova de morte (2007): o automóvel como elemento do horror cinematográfico que seduz, amedronta e perfura a carne.
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br