A Italia em Tres Irmaos
A aproximacao politica de Tres irmaos para com a Italia de sua epoca se da mais por seu vi?s simbolico
O roteiro escrito por Tonino Guerra e Francesco Rosi para o filme Três irmãos (Tre fratelli; 1981) usa o funeral duma matriarca para reunir, num lugarejo escondido nos confins da Itália, três irmãos que, um pouco ao modo do cinema político dos anos 60 e 70 na Europa, representam personalidades diferentes do universo social italiano. Diante da morte da mulher, o marido dela envia a seus três filhos três telegramas em que noticia o passamento. No início da narrativa, Rosi, o realizador do filme, usa de muitos planos gerais para caracterizar os ambientes dos três irmãos em suas diferentes cidades e depois captar os cenários de estrada que ligam as grandes cidades em que vivem os filhos ao mundo rural da infância deles e para onde estão indo em busca de despedir-se da mãe morta; os planos gerais são os planos de viagem, filmados no deslocamento. À medida que o filme avança, estes planos gerais são substituídos por planos próximos, que se esforçam por dar a caracterização íntima das personagens, especialmente os três irmãos do título. Três irmãos, por seu intimismo narrativo, foge a algumas características de outros filmes de Rosi, como o rude e forte O bandido Giuliano (1961) e o sinuoso Cadáveres ilustres (1976), mais notadamente sociais e políticos. A aproximação política de Três irmãos para com a Itália de sua época se dá mais por seu viés simbólico: embora a personagem do juiz vivido pelo francês Philippe Noiret traga elementos de Cadáveres ilustres, o pavor do terrorismo na Itália de então, especialmente nas vidas dos magistrados.
Morta a mãe no interior da Itália, o juiz de direito Rafaele Giuranna, o operário Nicola, que saiu do sul para trabalhar na industrializada Turim, e Rocco, o ascético professor dum reformatório de crianças, rumam para sua terra natal. Estes três irmãos retratados por Rosi à sombra dum funeral vão encontrar-se, e expor suas diferenças vitais, que se exacerbam, nos cenários de sua origem comum; a exacerbação das diferenças que se edificaram ao longo dos anos entre os três irmãos, simbolizam os próprios conflitos da Itália então vista pelo cineasta; no entanto, o que mantém, ainda nesta segunda década do século XXI, a atualidade do filme de Rosi é o olhar cinematográfico de rara sensibilidade atingido pelo realizador. Preciso em todos os seus movimentos, cortes e utilização de cenários, Três irmãos atinge uma estatura cinematográfica que Rosi perderia nos anos seguintes em filmes como Carmen (1984), Crônica de uma morte anunciada (1987) ou mesmo A trégua (1997), todos extraídos de originais operísticos ou literários (respectivamente, Bizet, Gabriel García Márquez e Primo Levi). Sublinhe-se a adequação da fotografia desmaiada de Pasqualino de Santis, em cores que casam com a delicadeza de direção de Rosi. Para a memória do espectador, é bom lembrar que este filme, coproduzido pela francesa Gaumont, foi lançado por aqui em sua versão falada em francês; em sua revisão agora, na internet, dei com a fala original italiana, embora em cena haja atores franceses, como Philippe Noiret e Andréa Ferréol.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br