Uma Iniciação Literária
Uma boa dica para a garotada começar a ler: A Rainha da Neve, um livro Hans Christian Andersen que teve adaptação de Walcyr Carrasco em 2012.
A RAINHA DA NEVE (1845). DE Hans Christian Andersen. Recontado por Walcyr Carrasco. São Paulo, Moderna, 2012.
“Teve a impressão de que as ondas lhe respondiam, movimentando-se. Pegou então os lindos sapatinhos de que tanto gostava e atirou-os à água. Como a pequena Gerda não tinha muita força, os sapatinhos caíram perto da margem . Um redemoinho os levou de volta para a terra. A menina devia ter percebido que o rio não queria ficar com aquele presente, porque não tinha o pequeno Kay para dar em troca. Mas Gerda calculou que não atirara os sapatos longe o suficiente da margem. Vendo um bote entre os juncos, entrou nele. Da ponta da embarcação, tornou a lançar os sapatinhos na água.”
Pode-se dizer que minha iniciação literária se deu com a leitura de A rainha da neve (1845), um pequeno magistral conto (ou novela?) do dinamarquês Hans Christian Andersen. Foi no fim do ano de 1965 —o ano da grande nevasca, no meio do ano, na serra gaúcha— que a professora Volida Dalla Coletta, uma das mais inspiradas criaturas que contam histórias que conheci, me presenteou com um exemplar do livro. Motivo: depois de um primeiro semestre horroroso, nas mãos duma bonita estagiária, me recuperei com um segundo semestre excepcional e cheguei ao terceiro lugar da turma, graças ao encantamento provocado em mim pela professora Volida, que em dias fechados e de chuva ou em vias de chuva (quando a turma de miúdos se tumultuava naturalmente) interrompia o didatismo das aulas e contava enredos mágicos de sultãos e sultanas num Oriente mítico. Lembro que li o texto de Andersen no verão de 1966, em casas de parentes em Porto Alegre, naquelas férias habituais de garoto de interior na capital; li e reli maravilhado. O exemplar, que tinha uma dedicatória da professora (talvez o primeiro elogio que alguém fez a meu cérebro, o que é até hoje meu elogio favorito, mesmo que possa estar falsificando a verdade) se perdeu nas andanças da família por aí, de casa em casa, destruído por dois irmãos menores.
Quarenta e seis anos depois, releio A rainha da neve, em reconto de Walcyr Carrasco, meditando na velha e estimada mestra. A história de Kay e Gerda, aquele amor juvenil esplendoroso entre neves imemoriais, permanece imbatível, em sua simplicidade, ingenuidade e grandeza. Reler Andersen é voltar à infância com dignidade e imbatível pudor intelectual. E curtir saudades de pessoas que me ajudaram a ser o que sou: um homem de letras, no sentido puro da expressão.
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br