A Experiencia Vital-Literaria
Vilette (1853), da inglesa Charlotte Bronte, eh narrado em primeira pessoa por uma das personagens. Jane Eyre
Vilette (1853), da inglesa Charlotte Brontë, é narrado em primeira pessoa por uma das personagens. Jane Eyre (1847), o romance anterior da escritora, também o era. Os romances das outras duas Brontë, Emily e Anne, igualmente contemplavam o “eu” narrador. Charlotte, como suas irmãs, escrevia histórias partindo de suas experiências vitais. Emily era misteriosa, um pouco gótica; Anne era racional, sem concessões. Charlotte tinha uma sofisticação complexa. Vilette, menos considerado pela posteridade que Jane Eyre, é mais complexo, corta os liames com certas ingenuidades narrativas: é mais matreiro em seus artifícios.
Lucy, a protagonista de Vilette, é professora numa cidade fictícia de fala francesa, Vilette. Sabe-se que o que está contado no romance deriva muito das experiências de Charlotte como professora em Bruxelas, na Bélgica. As falas em francês espalham-se harmoniosamente pela narrativa. É um de seus charmes: uma de suas criatividades ou sensibilidades. A narradora, Lucy, começa falando na madrinha, refere a cidade de Bretton, alude à família Bretton (que é a da própria madrinha), introduz com graça novecentista a personagem do filho da madrinha, John Graham Bretton. A primeira pessoa da narrativa de Vilette é um ente às vezes observador neutro, às vezes uma perturbação emocional quase autofágico diante da estrutura de contar em que a habilidade de Charlotte mergulha o leitor.
Com algumas referências a Shakespeare mais para o final (“O que há em um nome?” “A solidão de uma noite de verão em meio à relva, sob as árvores, perto de um laguinho profundo e fresco”), Vilette vai ter ao último capítulo, “Finis”, em que a narradora-autora constrói um hino-epílogo, a suma de suas sumas. “O ser humano não é capaz de profetizar. O amor não é um oráculo. O temor às vezes pensa coisas vãs. Os anos de ausência!” Poético, transcendente capítulo, filosofia de literatura, vai dar, no último movimento, num parágrafo-crônica, um relato de fecho. “Madame Beck prosperou todos os dias da sua vida, assim como Père Silas; Madame Walravens chegou aos noventa anos antes de morrer. Adeus.” No original inglês: “Farewell”. A madrinha (“godmother”) que abre o romance numa casa de graça antiga do vilarejo de Bretton conclui-se com a despedida da escrita narrativa: farewell. Como os panos que se fecham no palco, farewell, marca, em precisão e esplendor, o fim de cena de Charlotte em seu romance.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br