Noam Chomsky e a Fuga da Famlia Cash
Capito Fantstico levanta discusses que so pertinentes no nosso tempo, to confuso e onde as opinies esto por toda a parte e quase nunca so fruto de questionamentos
Até os mais apaixonados pelo cenário urbano já tiveram seus dias difíceis onde cogitaram largar tudo e ir viver num lugar isolado. Para alguns é um desejo que dura pouco mais de um minuto, mas há os que encaram este desafio. De tempos em tempos, alguns deles aparecem na mídia para contar as experiências da nova rotina. O protagonista de Capitão Fantástico, do diretor Matt Ross é um desses aventureiros. O que muda é o intuito de sua aventura, que nada tem a ver com sobrecarga de trabalho ou trânsito caótico.
Ben Cash, interpretado por Viggo Mortensen, é um homem que acredita que bons livros, exercícios e o uso do que a natureza pode oferecer para sobreviver é o que basta para levar seus dias neste mundo ao lado dos seis filhos. Junto com a esposa ele construiu um pequeno paraíso no meio de uma floresta. A carne vem da caça, as verduras e legumes da horta, a madeira das árvores e o conhecimento das páginas dos livros que deixaram a selva de pedra para habitarem as barracas que eles chamam de lar. Os primeiros momentos de Capitão Fantástico dão a entender que Ben e sua prole optaram por um estilo mais selvagem por convicções que ele e a esposa tinham, de acreditar num mundo sem barreiras e onde o dinheiro não era considerado um deus. Quase uma continuidade do movimento hippie, aliado a teorias filosóficas com a do linguista e filósofo Noam Chomsky, ao qual a família dedica um dia com comemorações dignas de feriado nacional.
Aos poucos, no entanto, descobrimos que Capitão Fantástico não é uma comédia sobre uma família que escala paredões, treina técnicas de defesa pessoal e mata cervos para preparar no jantar, mas sobre um homem desesperado por salvar a vida da mulher e, a partir da morte dela, se nega a viver o luto em nome do que ele acredita ser a felicidade dos filhos. Por não conseguir lidar com o transtorno bipolar de sua amada, ele foge do mundo.
Matt Ross, que também assina o roteiro, não defende com unhas e dentes a filosofia do personagem, mas cria cenas que nos fazem pensar no que acreditamos ser o certo e o errado e variamos nossa opinião sobre Ben ao longo de toda a trama. Capitão Fantástico é um filme provocador, que respeita a inteligência do público e que não faz questão de conquistar por completo todos os que pagaram pelo ingresso para assisti-lo. O objetivo é alimentar a discussão. Por estes e outros atributos (como não tratar as personagens infantis como fábrica de lágrimas ou meras criaturas fofinhas), o filme teve apenas uma indicação ao Oscar, para o trabalho de Viggo Mortensen, que está muito bem em seu papel e é acompanhado por um elenco jovem extremamente talentoso. Afinal, não é para qualquer criança realizar cenas que incluem facas afiadas e citações de autores que muitos adultos sequer conhecem os nomes. Um contraste para os primos “civilizados” dos Cash, que só pensam em jogar videogame e não entendem como alguém não sabe o que um Adidas.
A fotografia solar criada por Stéphane Fontaine (de Ferrugem e Osso e Elle) garante a atmosfera fraterna que existe na família. Os figurinos com um pé nos anos 70, destacam os Cash na multidão que usa as mesmas marcas tentando se destacar e dá ares de fantasia, em especial nas cenas que envolvem o funeral da esposa de Ben. Mais que um trabalho bem acabado, Capitão Fantástico levanta discussões que são pertinentes no nosso tempo, tão confuso e onde as opiniões estão por toda a parte e quase nunca são fruto de questionamentos, mas de mero achismo. Ler alguns comentários nas redes sociais nos dão vários motivos para desligar o computador e passar o resto de nossos dias de pé no chão, com mais folhas que cimento a nos rodear. Se nossas habilidades de escoteiro não forem das melhores, ainda nos resta o cinema, que faz aquilo que é uma das ideologias de Noam Chomsky: nutrir o caráter libertário e criativo do ser humano.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitrio Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicaes, participou da obra Uma histria a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixo em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco o cinema oriental, com nfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questes flmicas e antropolgicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crtica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Stima Arte.