Maratona da Morte: Fuga do passado

Dirigido em 1976 pelo britânico John Schlesinger, Maratona da Morte é um filme policial de suspense muito representativo do cinema norte-americano da primeira metade dos anos 70

24/11/2016 13:32 Por Jorge Ghiorzi
Maratona da Morte: Fuga do passado

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Dirigido em 1976 pelo britânico John Schlesinger, “Maratona da Morte” (Marathon Man) é um filme policial de suspense muito representativo do cinema norte-americano da primeira metade dos anos 70. Naquele tempo os thrillers eram um gênero em alta na indústria de Hollywood, particularmente após o sucesso de crítica, de público e dos prêmios Oscar concedidos a “Operação França” (1971), de William Friedkin. A premiação máxima da indústria garantiu o selo de qualidade a um tipo de filme usualmente relegado ao segundo plano por serem considerados destituídos de qualidades cinematográficas dignas de interesse.

No rastro surgiu uma leva de filmes que mesclavam tramas policiais e conspirações políticas, como “A Conversação” (1974), de Francis Ford Coppola; “A Trama” (1974), de Alan J. Pakula; a sequência tardia “Operação França II” (1975), de John Frankenheimer; “Os Três Dias do Condor” (1975), de Sydney Pollack, e “Todos os Homens do Presidente” (1976), também de Pakula. Vale reparar: todos dirigidos por cineastas do primeiro time. Uma comprovação de prestígio do gênero suspense / thriller naquele período.

Foi neste contexto que surgiu “Maratona da Morte”. Com roteiro escrito por William Goldman, a partir de seu próprio livro, o filme de John Schlesinger apresenta uma intrincada trama internacional de espionagem que mistura espiões com nazistas escondidos na América do Sul, a exemplo de Joseph Mengele, que viveu muitos anos incógnito no Brasil. O filme sugere que a custa de muitos diamantes os nazistas foragidos negociam sua liberdade com agentes de espionagem que atuam à margem do sistema.

O personagem principal é Thomas “Babe” Levy (Dustin Hoffman), jovem estudante universitário de História, e maratonista nas horas vagas, que desenvolve uma tese sobre o período do Macartismo (do senador Joseph McCarthy) para provar a inocência do pai, que cometeu suicídio após ser perseguido e expulso da universidade. Seu irmão é Henry “Doc” Levy (Roy Scheider), que se apresenta como negociante do mercado de petróleo, mas na verdade é agente secreto de uma agência ultrassecreta, paralela ao governo, chamada “A Divisão”. Suas ligações perigosas com o contrabando de diamantes, fruto de roubo dos nazistas da Segunda Guerra, acabam por levar Henry à morte. O culpado foi o carrasco nazista Dr. Christian Szell (Laurence Olivier), antigo dentista da SS que prestava serviço no campo de concentração de Auschwitz. Com receio de ser descoberto, Szell passa então a perseguir e torturar o inocente irmão do espião, “Babe”, para descobrir o que ele realmente sabe de toda a trama.

A sequência de abertura de “Maratona da Morte” já sugere o tema central da narrativa: a superação. As cenas iniciais mostram imagens do célebre maratonista etíope Abebe Bikila nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, que venceu a prova da Maratona correndo de pés descalços. Um símbolo de heroísmo, determinação e superação. O personagem de Dustin Hoffman encarna um fracassado, um looser, em oposição à imagem de requintado, bon vivant e bem sucedido que o irmão “Doc” transmite. “Babe” é de outra turma, ligado aos livros e estudos, no entanto, constantemente assombrado pelas memórias do trágico destino do pai suicida. Neste sentido, a maratona na vida de “Babe” é uma metáfora para a necessidade permanente de superação de limites.

Involuntariamente envolvido num perigoso jogo de poderosos, “Babe” de uma hora para outra vê sua vida colocada do avesso. Num piscar de olhos passa a tratar com espiões, assassinos e carrascos torturadores.  Chega, portanto, o inevitável momento de amadurecimento, de libertação do passado. Ele, estudante de História, conflitado pela necessidade de revisão da verdadeira história do seu pai, se depara com a História em pessoa, na figura do nazista foragido. Oportunidade única de fazer justiça (e História) com as próprias mãos. E, ironia suprema, valendo-se da própria arma utilizada pelo pai no suicídio.

 

“É seguro?”

Suspense e tensão são magistralmente manipulados por John Schlesinger na condução do ritmo do longa. Nada é óbvio, nada é o que parece ser à primeira vista. A dissimulação é uma arma estratégica muito bem utilizada por todos os personagens, sejam quais forem suas posições no jogo. E o espectador é envolvido lentamente conforme a narrativa evolui. Quanto mais a trama vai se desenvolvendo, mais elementos são acrescentados, estabelecendo novas conexões e inusitados desfechos. Enfim, a matriz perfeita de uma trama bem elaborada.

“Maratona da Morte” é extremamente eficaz como thriller de suspense, e duas sequências em particular se destacam: o ataque no banheiro e a sessão de tortura. A primeira lida magistralmente com o medo e a tensão com o desconhecido ao colocar o personagem de Dustin Hoffman num relaxante banho de banheira enquanto assassinos invadem seu apartamento. A segunda sequência é a famosa e impactante tortura do dentista Szell manipulando os dentes de um apavorado Dustin Hoffman, sem anestesia. O sádico nazista pergunta repetidamente: “É seguro?”. Aqui, vale um registro para o desempenho magistral de Laurence Olivier que faz diversas inflexões da pergunta “É seguro?”, cada uma delas de forma distinta. Coisa de mestre.

Este filme marcou um reencontro de Dustin Hoffman com o diretor John Schlesinger, sete anos após “Perdidos na Noite”. A escolha do ator para interpretar um jovem universitário causou algumas críticas na época, pois parecia um claro equívoco em razão da idade do ator na ocasião. Como um ator de quase 40 anos poderia interpretar um jovem? Mas, o fato é que deu certo, assim como ocorreu quando Hoffman foi escalado para “A Primeira Noite de um Homem”. O restante do elenco principal de “Maratona da Morte” dá um clima internacional à produção. Além do inglês Laurence Olivier, também está a atriz suíça Marthe Keller (“Domingo Negro”), que na época não sabia falar inglês, interpretando apenas reproduzindo os fonemas. Recentemente a atriz foi vista em “Amnésia”, de Barbet Schroeder.

A fotografia de Conrad L. Hall e a música de Michael Small contribuem decisivamente para o ótimo resultado final de “Maratona da Morte”, sem falar, é claro, das belas locações nas ruas de Nova Iorque que trazem um tom quase documental de registro das ruas, pontes, parques e becos de um momento bem específico da metrópole.

 

Assista o trailer: https://goo.gl/AbHcku

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Sobre o Colunista:

Jorge Ghiorzi

Jorge Ghiorzi

Bacharel em Jornalismo e pós-graduado em Marketing. Redator, roteirista e produtor de eventos culturais. Editor da publicação “Cine Guia Preview” (1995 – 2000) e do newsletter “Cine Guia Preview” (2009 – 2011). Produtor do Festival de Cinema de Gramado por 17 anos. Colaborou com críticas de cinema para jornais do interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Já publicou textos de cinema em diversos blogs e sites, como “Papo de Cinema”, “Facool” e “Movi+”, e também para a revista “Voto”. Criou a produtora cultural “Cine UM”, em 2009, que desenvolve uma programação de cursos livres de cinema em Porto Alegre e no interior do estado. Contato: jghiorzi@gmail.com

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