Elviras da Minha Vida

Somos humanos, vastos, complexos, mutantes. De opinião e de forma. Nem todas as mulheres do mundo pensam, sentem, amam e sofrem da mesma forma

01/09/2017 11:19 Por Bianca Zasso
Elviras da Minha Vida

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Se você regular de idade com esta colunista, com certeza ao ler o título desse texto, deve ter pensado num dos clássicos absolutos dos áureos tempos da Sessão da Tarde, Elvira, A Rainha das Trevas. Sim, você acertou! Este é um texto sobre o filme. E também não é. Expliquemos: vou falar da Elvira da ficção e também das Elviras da realidade. Segure a ansiedade, tome um rivotril se preciso, que você já vai entender.

Eu era uma garota de pouco mais de oito anos quando assisti Elvira pela primeira vez, em um VHS de locadora já gasto depois de ter passado por tantos videocassetes. Depois, perdi a conta de quantas aulas foram cabuladas (desculpem, mestres!!) para rever o filme na TV. Aliás, retiro as desculpas. Até minha mãe sabe que eu uso mais o que aprendi com o cinema do que nos bancos escolares. Enfim, tudo isso para dizer que hoje entendo porque a história da bruxa que apresentava filmes B de horror e foi parar em uma cidadezinha casta marcou meu início de adolescência. Elvira era uma feminista.

Já estou até avistando os olhinhos revirados de deboche e as mãozinhas para cima pedindo a palavra. Nem gastem saliva. Eu mesmo pergunto por vocês. Lá vai: como uma personagem que usa roupas decotadas, dona de um vocabulário cheio de segundas intenções e que vale-se de um par de peitos para abrir portões pode ser feminista? Meu bem, toda mulher deveria ter o direito de ir e vir sem medo e usando a roupa que bem entender. Elvira tem a vantagem de ter personalidade forte e poderes para se livrar dos assédios, só isso. Se bem que vocês lembram lá no início do filme, quando ela derrama cerveja nas calças dos dois babacas no boliche? Nem precisou de feitiço. Foi só atitude mesmo.

E você que olha com desprezo para o farto recheio do decote da moça, saiba que está sendo machista, mesmo sendo uma mocinha. Se quer o direito de andar vestida dos pés à cabeça, permita que quem quer uma saia mais curta lute por isso em paz. Ela é tão mulher quanto você. Lembram da Sra. Castidade, sempre prezando a moral e os bons costumes e falando horrores de Elvira? Você deve ter conhecido uma dessas com certeza. São elas que castram nossas vontades dizendo que isso nos fará “boas moças”. A gente cresce e logo percebe que o “boa” delas é, na verdade, uma moça sem voz, sem opinião, sem desejo, sem alegria. Chato, né?

Pois bem, cresci mais um pouquinho e a Elvira do filme virou uma lembrança bacana, que confesso que ainda me faz sorrir quando aparece na tela e foi compra garantida quando lançada em DVD. Daí, eu virei Elvira. Não, não foi dessa vez que vesti o pretinho básico e saí sem medo do mundo por aí. Talvez um dia, quem sabe. Estou falando do Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema, do qual tenho orgulho de fazer parte desde o início deste ano. O nome não é por causa do longa dirigido por James Signorelli, mas sim uma homenagem a Elvira Gama, primeira mulher a escrever sobre imagens em movimento no Brasil. Ou seja, a primeira crítica de cinema, numa época onde o cinema engatinhava.

Mais que reunir mulheres que escrevem e pensam sobre a Sétima Arte, o coletivo Elviras é um lugar de acolhida e incentivo. Foi trocando com profissionais incríveis que tive a coragem de dizer, sem a dúvida me rondar, que sou crítica de cinema. De onde vinha esse medo do termo? Do olhar incrédulo que recebi algumas vezes quando alguém lia meu texto. Uma menina que escreve sobre cinema? Isso é raro, né? Não, não é. Somos muitas, só cadastradas no coletivo já são mais de cem. Só não nos peçam para discorrer sobre o olhar feminino. Ele não existe. Duvida? Caro rapaz que lê este humilde desabafo em forma de coluna, me diga, por obséquio, o que é o olhar masculino?

Somos humanos, vastos, complexos, mutantes. De opinião e de forma. Nem todas as mulheres do mundo pensam, sentem, amam e sofrem da mesma forma. Assim como os homens não são todos iguais. Sabemos que eles também possuem as suas cobranças por parte da sociedade, mas pensem bem, a gente quer trazer vocês para o diálogo e não buscar um mundo feito apenas por e para as mulheres. Queremos jogar de igual para igual, na alegria e na tristeza, casadas ou solteiras, mães ou não, heteros, homo, bi ou trans. Respeito é a base para se conquistar o que quer. Uma brigadinha elegante no meio do caminho sempre aparece, mas nada que não se resolva com argumentos. Aprendi isso com as Elviras. A que eu vi e a que hoje eu sou.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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