O Miservel Victor Hugo

Filmado diversas vezes, o espectador evoca os episdios vrios de Os miserveis ora por suas leituras desde a adolescncia, ora pelas verses cinematogrficas

01/04/2019 16:48 Por Eron Duarte Fagundes
O Miserável Victor Hugo

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Não me lembro de quem disse, mas foi um contemporâneo do escritor. “Victor Hugo é um louco que julga ser Victor Hugo”. Os miseráveis (Les misérables; 1862) é provavelmente seu romance mais célebre; nele se estampam os defeitos estruturais e as grandezas de criador que Hugo legou à posteridade como fonte de estudos e discussões. Em Os miseráveis se pode detectar bem a sombra daquilo que a frase do contemporâneo de Hugo quer significar: há uma grandiloquência  pretensiosa e muitas vezes vazia em seu pedantismo, ou seja, um Hugo que vê no espelho seu paradigma Hugo, que cria cenas de inesgotável emoção; em Os miseráveis a demência de senilidade literária de Hugo convive com um Hugo dramaticamente forte, às vezes até denso.

Filmado diversas vezes, o espectador evoca os episódios vários de Os miseráveis ora por suas leituras desde a adolescência, ora pelas versões cinematográficas. A personagem de Jean Valjean, múltipla e  em constantes mutações, é uma das lápides definitivas de Hugo; é um arquétipo às vezes fácil demais (não tem a textura dos melhores seres do francês Honoré de Balzac, nem muito menos as densidades das criaturas do russo F.M. Dostoievski), mas seu funcionamento ficcional é inesgotável, como o prova sua recepção na posteridade.

Os miseráveis namora o romance de ideias no modelo do século XIX: várias vezes o narrador interrompe a ação romanesca para dissertar, com a prepotência ingênua de Hugo, sobre a questão histórica, especialmente sobre as guerras napoleônicas. Napoleão da palavra, Hugo tergiversa num casuísmo histórico: não tendo como explicar a derrota militar de Napoleão, apela; Deus é o culpado de um gênio como Napoleão ser derrotado, pois senão Napoleão não seria um Deus se vencesse todas? As ingenuidades das percepções históricas de Hugo não perturbam o esqueleto ficcional do romance, que também se alonga com lirismos românticos excessivos ao tratar do caso entre o estudante Marius e a menina Cosette, adotada por Valjean após ver a morte “miserável” da mãe dela, Fantine.

Dentro de seu ambicioso afresco da sociedade francesa de seu tempo voltando-se com simpatia para os oprimidos (embora Hugo tenha de fato conhecido melhor os aristocratas, o que necessariamente superficializa sua visão dos pobres), aqui e ali Hugo põe detalhes de sua vida pessoal na narrativa. Em determinado momento refere um possível tio-avô do romancista: trata-se de um teólogo Hugo, Bispo de Ptolomaica. Ao nominar a data do casamento de Marius com Cosette, Hugo escolhe no calendário aquela em que, segundo os historiadores e biógrafos, teria sido a do início de seu relacionamento com a mulher de sua vida, sua amante Juliette Drouet (mesmo que seu casamento tenha-se dado com outra). Mas nada disto retira a inteireza do caleidoscópio social de Os miseráveis, que, com ser uma obra-prima defeituosa, tem excertos memoráveis e que justificam seu prestígio anos afora. Um destes excertos é o parágrafo que descreve o suicídio do policial Javert, o pólo que se opunha à personalidade de Valjean (mas nem tanto assim, pois o suicídio de Javert é uma homenagem metafórica a Valjean). “Javert ficou imóvel por alguns instantes, olhando aquela abertura de trevas; contemplava o invisível com uma fixidez que se assemelhava à atenção. A água rumorejava. De repente, tirou o chapéu, e o colocou sobre o parapeito. Um momento depois, uma silhueta alta e escura, que de longe algum transeunte notívago poderia tomar por um fantasma, apareceu de pé sobre o parapeito, curvou-se para o Sena, tornou a se erguer e caiu pesadamente nas trevas; seguiu-se um rumor surdo, e somente a sombra soube o segredo das convulsões daquela forma obscura que desaparecia no seio das águas.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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