Classico Revisitado: Os 80 Anos de O Grande Ditador
Em tempos em que esta pandemia assusta tanto, com tantas mortes a nivel mundial, assistir a esse classico refor?a a fe de que dias melhores virao
Nesse período de isolamento, com tantas estreias adiadas no cinema, sei que o serviço de streaming tem oferecido boas alternativas, mas confesso que é inevitável – ao menos para mim – me voltar aos clássicos. Tenho analisado todo esse caos global provocado pelo Covid-19; busco, como todos, um positivismo que nos guie por esses tempos atribulados e nada é mais positivo do que falar de Charles Chaplin, além do fato que esse ano teremos a celebração dos 80 anos de um de seus filmes mais marcantes “O Grande Ditador”.
Quando Chaplin rodou e depois lançou “O Grande Ditador”, a Europa estava dilacerada pelo avanço da dominação Nazista e o mundo respirava tenso com os sonhos de conquista de Adolf Hitler. Desde 1937, Chaplin se preparava para o filme, reza a lenda que estimulado pelo amigo Alexander Korda que teria chamado a atenção para uma incrível semelhança física entre Chaplin e o ditador nazista. Na verdade, haviam coincidências entre ambos além do bigode já que ambos nasceram no mesmo mês e ano – Abril de 1889 – com apenas quatro dias de diferença. Foi uma luta para que o projeto fosse concretizado já que todos os estúdios eram contra e tentaram dissuadi-lo de filmar. O criador de Carlitos bancou todo o custo do próprio bolso, uma soma de US$2 milhões que se tornou um grande sucesso de público ainda que seu lançamento tivesse sido proibido em várias partes do mundo. Na Alemanha Nazista e em todo o território ocupado não houve exibição embora seja fato que o Führer o assistiu em sessão privada, não apenas uma, mas duas vezes. Na Itália o filme foi exibido com cortes de todas as cenas que mostrava uma paródia do ditador Benito Mussolini, em respeito à sua viúva, e assim segui até 2002. Até mesmo na Espanha, na época governada pelo ditador Francisco Franco, o filme foi proibido e só finalmente exibido em 1976, logo depois de sua morte. Com tanta reação negativa, o filme saiu-se admiravelmente vitorioso nas bilheterias, o que também se deve ao fato do apoio moral que o presidente Franklin Roosevelt dera a Chaplin, levando até mesmo aos conservadores britânicos, que inicialmente haviam se oposto, a incentivar o ator e diretor.
O filme, escrito pelo próprio Chaplin, mostrava a nação fictícia da Tomânia onde o ditador Adenóide Hynkel sonha com o domínio mundial, se prepara para invadir a nação de Osterlish e persegue os judeus com fúria genocida. Chaplin também interpreta um barbeiro judeu que desperta de um coma de vários anos, e por sua incrível semelhança com Hynkel é trocado por ele depois de diversas investidas insanas do ditador e seu aliados Benzino Napaloni (Jack Oakie), ditador da igualmente fictícia nação Bacteria, e do ministro Garbitsch (Henry Daniel), cada um uma figura ridicularizando respectivamente Hitler, Mussolini e Goebbels, o ministro da propaganda nazista. Era a primeira vez que Chaplin deixava de lado o personagem do Vagabundo (Carlitos), embora sua vestimenta seja usada, e também o primeiro filme falado de Chaplin onze anos depois do fim do cinema mudo. Seu lançamento se deu em outubro de 1940 em Nova York, 1 ano e dois meses antes do ingresso dos Estados Unidos na Segunda Guerra e foi muito conturbado para o genial Carlitos realizar um filme com tema tão delicadamente atual para sua época, em uma época de isolacionismo americano, atacado pelos conservadores, muitos dos quais já não viam Chaplin com bons olhos apesar de todo seu sucesso artístico. Os ataques também vinham da Alemanha que o chamava de “judeu”, e embora de fato não fosse, Chaplin nunca rebateu por acreditar que fazer isso significaria alimentar o antissemitismo.
Chaplin já havia se opunha ao que o terceiro Reich representava, e mesmo mal-interpretado pelos problemas pessoais que tinha (Na época seu casamento com Paulette Goddard, sua 3ª esposa, estava em crise), ele nunca deixou de lado seus princípios, suas convicções, ou de acreditar na humanidade. Depois de ter terminado o filme, a Alemanha nazista ocupa parte da França e as atrocidades das forças do eixo alcançam as manchetes dos jornais. Inconformado, Chaplin regrava o final acrescentando o belíssimo discurso de quase 6 minutos que fecha a história, contrariando a recomendação de seus associados. O impacto do discurso dá ao final um tom humanista que ainda impressiona, e com tudo que nos cerca na atualidade ganha uma força ainda incrivelmente atual, e sobretudo suas palavras ganham uma aura de esperança da qual precisamos para acreditar em um amanhã melhor. Infelizmente, na ocasião do lançamento do filme, o discurso final de Chaplin foi distorcido pelos conservadores americanos, entre eles J.Edgar Hoover, o diretor do FBI, que acusaram Chaplin de ser comunista. O filme ainda teve 5 indicações ao Oscar no ano seguinte (melhor filme, direção, trilha sonora, roteiro original, ator para Charles Chaplin e ator coadjuvante para Jack Oakie), mas a força dos opositores de Chaplin era muito grande, e o filme perdeu todos os prêmios para os quais foi indicado.
Em tempos em que esta pandemia assusta tanto, com tantas mortes a nível mundial, assistir a esse clássico reforça a fé de que dias melhores virão. Sejam os nazistas ou um vírus, a lição maior de Chaplin é a certeza de que a esperança deve ser alimentada em nossas almas, a boa vontade e um amor fraterno mais intenso são toda a diferença que existe entre nosso fim e nossa sobrevivência.
“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.” (Chaplin)
Sobre o Colunista:
Adilson de Carvalho Santos
Adilson de Carvalho Santos e' professor de Portugues, Literatura e Ingles formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela UNIGRANRIO. Foi assistente e colaborador do maravilhoso critico Rubens Ewald Filho durante 8 anos. Tambem foi um dos autores da revista "Conhecimento Pratico Literatura" da Editora Escala de 2013 a 2017 assinando materias sobre adaptacoes de livros para o cinema e biografias de autores. Colaborou com o jornal "A Tribuna ES". E mail de contato: adilsoncinema@hotmail.com