Classico Revisitado: Flash Gordon - 40 Anos do Filme
Era 1980, embora tenha sido um fracasso de bilheteria, o filme dirigido pelo ingles Mike Hodges ganhou sua propria legiao de fas
Como fã de histórias em quadrinhos, sempre fui a favor da adaptação de "Flash Gordon", clássico da era de ouro, criado pelo norte americano Alex Raymond em 1933, e que serviu de inspiração para que George Lucas imaginasse galáxias distantes. O próprio Lucas já declarou que desejava adaptar a HQ para as telas, até que o produtor italiano Dino De Laurentis adquirisse os direitos de filmagem, 44 anos depois dos seriados de Buster Crabbe, muito populares em sua época. Era 1980, embora tenha sido um fracasso de bilheteria, o filme dirigido pelo inglês Mike Hodges (Carter o Vingador) ganhou sua própria legião de fãs, que comemora o aniversário de 40 anos embalado pela icônica trilha sonora da banda Queen e seu brado "Flash .... Ah aahhhhhh".
O orçamento estimado em torno de US$ 20 milhões foi gasto em cenários e figurinos suntuosos, a cargo de Danilo Donati, aclamado por seu trabalho em filmes de Pier Paolo Pasolini, Franco Zefirelli e Federico Fellini. A equipe e o elenco internacional incluíam a italiana Ornella Mutti como a Princesa Aura, o galês Timothy Dalton, que se tornaria o 4º ator a viver James Bond, como o Príncipe Barin, o inglês Brian Blessed como o Príncipe Vultan, o israelense Topol como o Dr. Zarkov e o franco-sueco Max Von Sydow, famoso por seus trabalhos com o consagrado Ingmar Bergman, como o grande vilão, o imperador Ming, vulgo o impiedoso. Os papéis principais ficaram com os desconhecidos Sam J.Jones, americano, e Melody Anderson, canadense, respectivamente como Flash Gordon e Dale Arden. Hodges foi o 8º diretor escalado, depois que o icônico Sergio Leone recusou o convite ao perceber as diversas liberdades tomadas no roteiro.
Todo o gasto de Laurentis, no entanto, deixou de lado o roteiro, assinado por Lorenzo Semple Jr (do seriado do "Batman" dos anos 60), que não conseguiu reproduzir o requinte dos diálogos escritos nas hqs por Alex Raymond, preferindo o humor camp, refletido até nas sequências de ação como na primeira meia hora de filme quando Flash e seus amigos chegam a Mongo. No palácio de Ming, Flash enfrenta os guardas imperiais, trajados como jogadores de futebol americano, com direito a Dale Arden gritando "Vai Flash vai", como se fosse uma lider de torcida. Esse humor, no entanto, nada tinha a ver com as aventuras do personagem impressas nos suplementos dominicais. No Brasil, na época áurea do “Globinho” vários leitores como eu puderam sentir a sensação de viver em um mundo alienígena colorido e habitado por seres extraordinários imaginados por Raymond quando este tinha 25 anos. Curiosamente o estúdio de animação da Filmation realizou pouco antes do lançamento do filme uma excelente série de animação para Tv bem mais respeitosa aos quadrinhos de Raymond. Essa animação chegou a ser exibida pela Rede Globo nas tardes da “Sessão Aventura”.
Ainda no filme em vários outros momentos as sequências de ação suplantam os diálogos, que nem de longe lembram o texto de um visionário como Alex Raymond. Nas suas tiras leitores se deslumbraram com cenários exóticos e arquiteturas vanguardistas, florestas misteriosas retratando o reino de Arbória, a cidade nas nuvens dos homens-falcão, o reino de gelo, ou o mundo sub-aquático, todos localizados no fictício planeta Mongo. O autor criou o personagem para concorrer com os quadrinhos de Buck Rogers, mas Flash Gordon foi além. Em suas tiras, Raymond ousou na sensualidade das personagens femininas Aura e Dale Arden, à frente de sua época; foi o primeiro a usar de painés de página inteira em vez de quadros sequenciais, permitindo imprimir um estilo épico, lembrando que na época as histórias eram publicadas nos jornais distribuidos pela King Features Syndicated. Tudo isso ficou prejudicado na abordagem de Laurentis que limou vários desses elementos em favor de um ritmo de videoclip.
Na história do filme Flash Gordon tornou-se um jogador de futebol americano (nas hqs ele joga Polo na Universidade de Yale) que acompanha a bela Dale Arden e o Dr. Hans Zarkov, no filme reduzido ao arquétipo de um cientista louco. Acidentalmente o trio é lançado ao misterioso planeta Mongo em rota de colisão com a Terra. Para impedir a catástrofe, Flash unifica os reinos de Mongo (reduzidos a Árboria e a cidade dos homens falcão no filme de Hodges) e entram em conflito com o Imperador Ming. Dois anos depois do sucesso de bilheteria de "Superman o Filme" (Superman the movie) o caminho para as adaptações de quadrinhos parecia promissor, mas o clima nas filmagens de "Flash Gordon" estavam longe do clima de diversão. Laurentis era extremamente controlador e teve diversos conflitos com o diretor Mike Hodges e com o astro principal que, devido a disputa salarial, se recusou a fazer certas cenas que tiveram que usar um dublê para as cenas de ação, e até mesmo teve suas falas redubladas. O produtor chegou a recusar a ideia dada por Brian Blessed, intérprete de Vultan (e grande fã da Hq de Raymond) a chamar Buster Crabbe, que interpretou o heroi nos 3 seriados da Universal realizados entre 1936 e 1940, para uma aparição como o pai do personagem.
Se o filme não se tornou tão primoroso quanto seus realizadores pretendiam, ao menos sua trilha sonora, misturando acordes de orquestra com a batida de pop rock do Queen, ajudou o filme a alcançar o status cult. Curioso que Laurentis, quando contratou a banda, não fazia a menor ideia de quem eles eram. A aposta era alta, e havia planos para sequências já apontadas pelo final em aberto de Ming com sua risada diabólica anunciando seu retorno. Segundo Sam J. Jones, o contrato previa um mínimo de 6 filmes. Consta que Laurentis preferia Kurt Russell para o papel de protagonista, e até mesmo Arnold Schwarzegger chegou a ser cogitado para o papel. Entre as mudanças na história incluíram o personagem de Klytus (o francês Peter Wyngarde) que nem sequer faz parte da historia original, ou do antigo seriado da Universal. Seu antagonismo muitas vezes rivaliza com o tempo em cena de Ming, mas sua saída de cena acaba rápida demais à medida que o filme chega ao seu terço final, pouco antes da fuga de Flash.
Assistir ao filme consegue oferecer um prazer culposo que parece sobreviver à passagem de tempo mesmo que apenas para mostrar que a obra de Raymond, publicada no Brasil pela extinta Ebal, e atualmente pela Pixar, merecia ser redescoberta pelas novas gerações. A Fox, antes de ser vendida para a Disney, desenvolvia planos para uma nova adaptação, mas a fusão das duas empresas enterrou os planos. Lamentável já que as aventuras de Flash em Mongo, com a sofisticação dos efeitos em CGI poderia ganhar uma roupagem digna de produções como "Game of Thrones". Quem sabe ainda teremos a oportunidade de saltar em direção da câmera, e gritar "Flash... Ah ahhhhh" saldando o salvador do universo.
Sobre o Colunista:
Adilson de Carvalho Santos
Adilson de Carvalho Santos e' professor de Portugues, Literatura e Ingles formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela UNIGRANRIO. Foi assistente e colaborador do maravilhoso critico Rubens Ewald Filho durante 8 anos. Tambem foi um dos autores da revista "Conhecimento Pratico Literatura" da Editora Escala de 2013 a 2017 assinando materias sobre adaptacoes de livros para o cinema e biografias de autores. Colaborou com o jornal "A Tribuna ES". E mail de contato: adilsoncinema@hotmail.com