Um Filme Que Devora os Sentidos

Ana e os Lobos é uma visão descarnada e impiedosa da Espanha sob o jugo do ditador Francisco Franco

26/03/2018 00:09 Por Eron Duarte Fagundes
Um Filme Que Devora os Sentidos

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Ana e os lobos (Ana y los lobos; 1972) foi o primeiro filme do espanhol Carlos Saura a ser lançado comercialmente no Brasil, já lá vão trinta anos (1977 foi o ano em que se pôde ver esta obra-prima em Porto Alegre); então a interpretação do cinema de Saura, as correlações que se estabeleciam entre um filme e outro do realizador eram prejudicadas, pois teríamos de penar ainda algum tempo para dar (em sessões especiais ou em vídeo) com realizações como Peppermint Frappé (1967) e A prima Angélica (1973), que detinham aspectos para iluminar certos processos cinematográficos de Ana e os lobos. Foi o sucesso crítico e de público de Cria cuervos (1976) por aqui a partir de janeiro de 1979, com aquela aparição inusitada da garotinha Ana Torrent (tão diversa do estrelismo aborrecido dos pequenos hollywoodianos), que permitiu que a filmografia seguinte do diretor aportasse às cidades brasileiras com regularidade.

Ana e os lobos é uma visão descarnada e impiedosa da Espanha sob o jugo do ditador Francisco Franco. Um dos “lobos” (um dos filhos da mamãe vivida pela frenética Rafaela Aparício) é um solteirão que queria ser militar e tem queda hipnótica por uniformes; ao mostrar sua coleção de uniformes à personagem de Geraldine Chaplin, preceptora de crianças que chega àquela isolada mansão, diante da insistência dela para que vista o uniforme, vemos bem o ufanismo da criatura de José Maria Prada (o pretendido militar) na estudada interpretação do ator e no vigor da imagem de Saura e de seu fotógrafo Luis Cuadrado; nesta sequência que fecha com a personagem exibindo-se diante do espelho, a crítica antimilitarista do cineasta é mais contundente do que a maioria dos filmes de guerra que vemos por aí –poder de síntese e sentido de despojamento são os trunfos deste trecho.

Se as figuras paralíticas de O jardim das delícias (1970) e Cria cuervos eram mudas em cena, a paralítica de Ana e os lobos é tagarela, fala abundantemente de tudo e de todos. Ela voltaria à cena ocupando o centro da narrativa em Mamãe faz cem anos (1979). Em Ana e os lobos a paralítica é meio secundária na trama; o que interessa mais a Saura é analisar as relações da preceptora (que chega para cuidar de três meninas) com os filhos de mamãe, um místico que se entoca numa caverna (magnífico Fernando Fernán-Gomez, que em Mamãe teria o projeto de inventar umas asas para voar), o citado falso militar (um disciplinador) e o sexualista (casado, pai das três meninas, mas que queria dormir com Ana, a empregada), todos os três aspectos deturpadores da personalidade hispânica. Inicialmente, Ana é um vento de rebeldia naquele casarão mofado e perdido no campo, cuja simbologia se assemelha à mansão isolada no centro de Madri em Cria cuervos; mas logo ela passa a misturar-se e a contagiar-se com as irresponsabilidades dos três irmãos. No fim, despedida, ao sair por entre os arbustos da mesma maneira com que chegara, é atacada pelos três machos: um lhe busca os cabelos, outro a estupra e o terceiro, finalmente, lhe acerta o tiro fatal na testa.

Duro e cruel, Ana e os lobos é uma reminiscência implacável da melhor frequência a salas de cinema nos anos 70 do primeiro século do cinema.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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