O Clssico Melodrama Feito com Sensibilidade e Competncia
Este novo Nasce uma estrela no propriamente um musical no sentido clssico: as aes no so narradas por dilogos feitos msicas
Bradley Cooper sai-se bem em Nasce uma estrela (A star is born; 2018). Como ator e com o diretor. Esta história já filmada três vezes em Hollywood seria inicialmente dirigida por Clint Eastwood, Cooper somente a interpretaria, faltaria escolher sua parceira de cena; com a desistência de Clint, Badley decidiu ele próprio dirigir-se: é seu primeiro filme como diretor e, ressalvados alguns clichês formais e temáticos mais conformistas, ele surpreende pela segurança com que encena as inquietações de suas personagens.
Em 1937 William Wellman e Jack Conway rodaram a primeira versão desta história, com Janet Gaynor e Fredric March nos papéis centrais. Em 1957 foi a vez de George Cukor dirigir Judy Garlang e James Mason neste melodrama entre o sombrio e o escapista. Em 1977 Barbra Streisand e Kris Kristofferson, no auge de seu charme nas telas, estiveram diante das câmaras para a direção de Frank Pierson. Este comentarista só conhece a versão de 1953, vista nos anos 80 nos cinemas de Porto Alegre, e onde a mestria de Cukor casava com a excelência do dueto interpretativo de Garlang (mãe de Liza Minnelli) e Mason.
Este novo Nasce uma estrela não é propriamente um musical no sentido clássico: as ações não são narradas por diálogos feitos músicas; as apresentações musicais são inseridas diegeticamente na ação dramática, e isto o diretor Cooper sabe fazê-lo com um certo senso cinematográfico. Lady Gaga abre a cena cantando “La vie en rose”, a canção famosa da francesa Edith Piaf, tal, como se diz, ocorreu na vida real: Bradley a viu cantar Piaf num show, e convenceu-se de que estava diante da estrela para seu filme. Gaga tem um desempenho extraordinário ao longo da narrativa. Seu nariz longilíneo lembra Barbra Streisand, que foi uma das intérpretes da personagem ao longo da história do cinema. Ela parece baixinha: como Judy Garlang. Há momentos em que a doçura melancólica de sua face, entre o desespero e o sentimental, evoca a da atriz italiana Sophia Loren.
Embora se trate duma história conhecida e reitere lugares-comuns próprios do cinema americano, o Nasce uma estrela de Cooper logra segurar a atenção e a sensibilidade do observador por uma competência artesanal sempre presente e uma forma de aproximação ao íntimo dos intérpretes por parte da direção capaz de, em alguns instantes, hipnotizar-nos.
Nasce uma estrela é também uma reflexão (melodramática, é verdade) sobre o poder destrutivo que uma personalidade tem sobre outra num relacionamento entre duas pessoas. O cantor famoso, tornado decadente pelo álcool e as drogas, tem uma função de destruição na vida e na carreira da cantora ascendente; em boa parte da relação dos dois ele é egoísta, egocêntrico, mas seu gesto final, desistindo de viver para que ela possa viver, contém um altruísmo que se oculta nas trevas. O filme de Cukor de 1953 tratava duma atriz de cinema e falava dum meio que o cineasta conhecia bem, ascensão e queda em Hollywood; o filme de Bradley traz Lady Gaga, preferentemente uma cantora, e portanto alude às subidas e às descidas nos palcos musicais. Mas ambos os filmes falam de algo essencialmente humano: como nossos sentimentos lidam com qualquer fama e como tudo isto, sentimentos e fama, afeta os que nos cercam.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br