A Autofagica Sociedade Brasileira
Homem Onca tenta entender o ponto a que chegou nossa sociedade hoje em dia a partir dos exames de sua autofagia
Vinicius Reis partiu duma história familiar (a experiência de seu pai, especialmente) para rodar seu filme Homem onça (2020). Isto lhe dá grande veracidade desde a construção do roteiro (coescrito com Flávia Castro, diretora de Diário de uma busca, 2010), mas também traz alguns limites em sua capacidade de aprofundar temas, situações, personagens. É um belo filme (e necessário) que deixa pontas de insatisfação no curso de sua narrativa.
Sustentado em boa parte pela notável sensibilidade dos intérpretes (Chico Díaz e Silvia Buarque, casados quando foi feito o filme, separaram-se em 2021, mais Bianca Byington, a garota dourada dos anos 80, e Emílio de Mello), Homem onça põe na tela uma história ficcional que remete a uma história acontecida na sociedade brasileira na década de 90, considerado o decênio das privatizações desaguadas pelo governo FHC; a privatização da Vale do Rio Doce, nos anos 90, é transformada no roteiro na privatização da Gás do Brasil obedecendo aos novos ventos que exigiam indivíduos duros capazes de adaptar-se. O que aparece em cena de maneira cortante são as relações autofágicas da sociedade brasileira, os indivíduos se entredevoram; alguns resistem adoentados, como Pedro (Chico Díaz), outros vem a suicidar-se após agredirem a tantos colegas no processo de destruição duma empresa, como Dantas (Emílio de Mello). As mulheres (Sônia, o papel de Silvia, e Lola, vivida por Bianca) são vítimas, rebeldes e salvamentos neste processo diluidor.
Na linha de Piedade (2019), de Cláudio Assis, (onde uma companhia petrolífera privada especula para alterar o ambiente dum lugarejo remoto em nome das possibilidades de lucro), Homem onça tenta entender o ponto a que chegou nossa sociedade hoje em dia a partir dos exames de sua autofagia.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br