A Mulher na História Brasileira
Com várias referências históricas e literárias, Del Priore constrói um painel aberto mas extremamente funcional da realidade da mulher brasileira, em anos
O brasileiro é basicamente um reacionário nato. A queda do Partido dos Trabalhadores, para além de suas próprias falhas, não deveria surpreender tanto; o que deveria surpreender mais é como ele durou tanto tempo no poder, fazendo a medo algumas pequenas reformas para tentar minorar as dificuldades das vidas dos mais humildes, sob os olhos duma elite claramente antropofágica habitualmente aplaudida pelo miserabilismo da classe média. Somos machistas, canibais econômicos, arcaicos. Qual o papel da mulher, um elemento transformador da sociedade ao longo dos anos, neste contexto torto?
É o que busca iluminar a historiadora Mary del Priore em seu livro Histórias de conversas de mulher (2013). Com várias referências históricas e literárias, Del Priore constrói um painel aberto mas extremamente funcional da realidade da mulher brasileira, em anos. O sofrimento da imperatriz Dona Leopoldina nas mãos do imperador D. Pedro I é um dos relatos mais persistentes do texto da historiadora; mas ela vasculha romancistas tão diversos quanto o mineiro Cyro dos Anjos e o cearense José de Alencar para estudar as posições masculinas brasileiras diante do fenômeno mulher; mas não desdenha da força de um autor pra lá de moderno, como Autran Dourado, que capta em linguagem e atmosfera a verdade feminina.
Del Priore é uma cronista do tempo, mas nunca impessoal. Não tem medo de opinião. Opina de maneira muito particular sobre questões paradoxais. Expõe uma forma de ver a era da “pílula azul” masculina, se faz perplexa diante da banalização do corpo da mulher pela exposição midiática do sexo e vai ao cabo questionar os padrões femininos impostos pela propaganda, como a magreza excessiva.
“O dia a dia das famílias senhoriais transcorria em meio a grande número de pessoas”, anuncia lá pelo início do livro a narradora histórica, antes de esclarecer as funções destes agentes históricos. E depois de tudo, a exigência duma ação definida na frase final: “Clareza, sim, para não continuarmos a assistir, impotentes, ao espetáculo da própria impotência.”
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br