Juremir, um Reporter no Campo

Noite dos Cabares reuniu, em livro, uma serie de reportagens que Juremir foi publicando aos domingos, no jornal Zero Hora

28/03/2023 03:55 Por Eron Duarte Fagundes
Juremir, um Reporter no Campo

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Claro, claro, Juremir é um romancista de primeira, é um pensador notável: nele verbo e pensamento se conluiam como nunca. Mas não sei se sua grandeza de escritor seria como é sem aquilo que um dia o cronista e prefaciador Luis Fernando Verissimo chamou “diligência de repórter”. A noite dos cabarés (1991), editado há mais de vinte anos pela Mercado Aberto e em tempos mais recentes reeditado pela Pratense, é um livro que nos dá conta da urgência de repórter em Juremir, um escritor, um antropólogo, um pensador que põe estes seus bons ofícios numa busca de entender a sociedade em que vive. E como o faz? Indo a campo (para dentro mesmo do campo); amar as letras não implica deixar de agir como um operário, é preciso muitas vezes abandonar o gabinete livresco e esforçar-se por ver o que sai da dialética entre o que se pensa e a realidade que se vê e vive.

A noite dos cabarés reuniu, em livro, uma série de reportagens que Juremir foi publicando aos domingos, no jornal Zero Hora, onde trabalhava no início da década de 90, para tratar dos ambientes marginais ou suspeitos da Porto Alegre do fim dos anos 80, “ruas, bares, cabarés, becos perdidos, pensões, albergues e lugares próprios aos excluídos, marginais, vagabundos ou simplesmente trabalhadores anônimos”, como anota o próprio escritor. A veia de repórter de campo de Juremir , exercitada nestes textos, permaneceu ao longo das décadas: basta ver a excelência deste romance de não-ficção que é Jango, a vida e a morte no exílio (2013). É bem verdade que há algumas modificações de formas de composição e visão de mundo que os anos fizeram aflorar no Juremir atual; um texto da juventude é sempre mais solto, a estrutura de um texto de Juremir hoje não é  desinibida à maneira de sua antiga literatura, mas no entanto alguma coisa desta escrita livre, avassaladora, provocativa cruzou as décadas.

“Todos os fantasmas de Porto Alegre moram no Alto da Bronze, disse um dia o escritor Moacyr Scliar.” É com esta citação que Juremir inicia sua viagem literária pela Porto Alegre noturna, ou noturnamente suburbana, de um determinado tempo histórico. E estes fantasmas porto-alegrenses se pareceriam uns com os outros? Como os cemitérios a que Machado de Assis aludiu numa crônica sobre o Senado brasileiro escrita em junho de 1898, num clima de fim de século? “Todos os cemitérios se parecem”, arrufa o autor de Dom Casmurro (1900), para livrar-se duma descrição que o entediará, ou ao leitor. Ou como as famílias felizes da abertura de um romance de Leon Tolstoi, uma família feliz igual à outra? Ou ainda, ao modo das paróquias do primeiro parágrafo de Journal d’un curé de campagne (1936), romance do francês Georges Bernanos? “Toutes les paroisses se ressemblent”. Não, Juremir não rejeita, ao longo de suas páginas, descrever, com seu encanto e alguma minúcia, estes múltiplos fantasmas de sua cidade. Igualmente nunca afirma, como faz Bernanos sobre a paróquia de sua personagem, que estes fantasmas possam ser devorados pelo tédio. Não há, nestas figuras que povoam o universo recriado por Juremir, este espírito cediço e decadente que Machado de Assis e Bernanos põem em suas observações do cotidiano. O cotidiano em Juremir e mais ainda no jovem Juremir —é exultante: vibra do texto à carne, pensada antes em contato com a realidade.

A noite dos cabarés é um bom holofote para se saber como o Juremir antigo foi ter ao Juremir de Jango, o que se modifica para manter esta integridade que é na essência o próprio Juremir de sempre, escritor-pensador-jornalista, o    que amadureceu nos cabarés da juventude de Juremir para que se produzisse esta maravilhosa reflexão política sobre a vida e a morte reais e inventadas dum ex-presidente da República.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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