A Tristeza de Paulo Prado
Paulo Prado faz, claro, sua pesquisa de campo: tem conhecimento
Paulo Prado é um pensador historicamente relevante: seu livro Retrato do Brasil (1928) —ambicioso em seu projeto desde seu título, diminuto em seu desenvolvimento— influenciou muita gente, nas ciências sociais e na literatura, mas é epistemologicamente vazio e inconsistente em cada uma de suas fases de raciocínio.
Retrato do Brasil começa por uma frase pomposa (apesar de curta) e pós-romântica (embora tenda a uma certa provocação no início de seu século). “Numa terra radiosa vive um povo triste.” Após divagações as mais disparatadas, Prado retorna a uma variação de sua ideia, num contorcionismo narcisista de filosofia social. É a oração que fecha o livro. “Viveram tristes, numa terra radiosa”. Só inverteu a ordem: nesta última frase, o predicado antecede o complemento de lugar, mas o que tem definição são adjetivos como triste e radiosa. O sentido de tristeza de Prado não é o mesmo do sentido antropológico do francês Claude Lévi-Strauss em Tristes trópicos (1955).
Prado é um escritor brasileiro que, apesar de depurar o estilo e esforçar-se pelo realismo (eivado de naturalismo, às vezes), não logra esconder inteiramente as origens românticas da formação de nossa cultura literária. O romantismo brasileiro fez das suas em nossa literatura e nossas ideias; atinge inclusive àqueles que aparentemente estão a uma certa distância.
Paulo Prado faz, claro, sua pesquisa de campo: tem conhecimento e é bastante interessado. Mas, como geralmente são muitos clássicos brasileiros que ambicionaram nas ciências totalizar uma ideia de Brasil, é apriorístico. Pensa primeiro e à margem numa ideia; as pesquisas se tornam quase secundárias para a conclusão. Segundo Prado, nossa tristeza (que tristeza, é de se perguntar) vem da junção da luxúria (sexualidade excessiva) com a cobiça (a corrida do ouro, o desejo de enriquecimento fácil). O moralismo do estilista Prado envelhece a olhos vistos a cada leitura que se faz de sua obra; esconde-se em seu texto preconceitos arcaicos para com a conduta moral e um racismo atávico para com os negros e os indígenas, coisa que Prado vai camuflando com uma verbosidade refinada mas rasa em sua aplicação de seu lirismo (o povo triste) a uma meditação histórica e sociológica.
“Uma delas foi a lascívia do branco solto no paraíso da terra estranha. Tudo favorecia a exaltação de seu prazer: os impulsos da raça, a malícia do ambiente físico, a contínua primavera, a ligeireza do vestuário, a cumplicidade do deserto e, sobretudo, a submissão fácil e admirativa da mulher indígena, mais sensual do que o homem como em todos os povos primitivos, e que em seus amores dava preferência ao europeu, talvez por considerações priápicas, insinua o verso de Varnhagen.” Quer dizer: Paulo Prado, contemporâneo de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, recua, e atira-se na rede da Iracema de José de Alencar.
Se Gilberto Freyre instituiu a miscigenação como fator e Sergio Buarque de Holanda buscou o centro brasileiro no conceito ambíguo de homem cordial, Prado, cujo português brilha como em Freyre e em Holanda, está, todavia, longe da agudeza destes autores, inserindo o estro fácil de sua elaboração nacional como a mola de seu escasso pensamento social. E nada mais singelo e ingênuo do que o caminho escolhido por ele, voltar em parte a nosso primeiro cronista das terras: “Pero Vaz foi, para nós, o cronista do maravilhoso achado”. Velho, muito velho Paulo Prado.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br