O Espetaculo Que Se Impoe
O que escrevi, no lancamento no fim da decada de 70, espinafrava a realizacao, naturalmente, mas deixava uma porta
Quando apareceu nos cinemas de Porto Alegre, em 1979, Super-homem, o filme (Superman, the movie; 1978), dirigido por Richard Donner, logo conquistou o grande público pelas facilidades com que expunha a exuberância duma fantasia hollywoodiana usando de todos os atributos de um espetáculo, puro e simples. Mas este então moderno super-homem nos cinemas não ficou restrito ao grande público; admiradores dos quadrinhos originais e outros nem tanto, espectadores mais resistentes ao tipo fantasia pela fantasia se deixaram fascinar pela força das imagens criadas por Donner, artesão sensível da indústria do cinema. Do filme disse na época um crítico local que ele se impunha até mesmo àqueles que têm dificuldade em aceitar o cinema somente como espetáculo. Eu sou um daqueles. O que escrevi, no lançamento no fim da década de 70, espinafrava a realização, naturalmente, mas deixava uma porta (meio oculta) de admiração para a grandiloquência audiovisual, tão bela quanto vazia, certo. Passados tantos anos, fica a clara a presença na mente do observador (ainda o crítico) de certas sequências, como a primeira vez em que o super-homem salva Lois Lane num helicóptero pendurado num edifício, o veículo pronto para despencar. Os voos de Christopher Reeve (o super-homem) sublinhados pela altissonante música de John Williams tem uma permanência na retina para além do filme como um todo.
Extremamente bem estruturado no roteiro que teve várias mãos (Mario Puzo, David Newman, Leslie Newman, Robert Benton), Super-homem, o filme narra num longo prólogo o nascimento da personagem numa família no planeta Krypton e sua remessa ainda bebê para a terra antes da explosão de seu espaço natal no cosmos. Depois, na terra, descreve com desembaraço a personalidade do herói como um homem comum (o repórter Clark Kent), as travessias de personalidade da criatura, a paixão entre Lois Lane (Margot Kidder) e o super-homem (oculto no desajeitado Clark Kent). Donner depois voltaria a fazer filmes frenéticos. E elétricos: em sua dramaturgia cinematográfica. Os goonies (1985) e O feitiço de Aquila (1985) são estes filmes. Donner tem a habilidade de filmar; mas é uma habilidade que pode impor-se até mesmo a seus detratores.
Gene Hackman faz um vilão divertido: Lex Luthor. O mais estranhamente amedrontador é o destino fora das telas dos astros centrais. Christopher Reeve sofreu em 1995 um acidente equestre, no qual ficou tetraplégico: depois de tanto voar, se dizia que o super-homem já não conseguia nem andar; Margot Kidder, a namoradinha do super-herói, a atriz que sofria de depressão, se suicidou aos 69 anos, em 2018. Como se esconde num filme da alegria do espetáculo destinos tão trágicos? Alguma maldição de produção? No final do filme se anuncia para o ano seguinte Superman II: já teria sido quase todo filmado por Donner. Ocorre que a sequência não saiu, pois o diretor se desentendeu com os produtores; ela só sairia algum tempo depois dirigida por Richard Lester. Outra maldição sobre um campeão de bilheteria? Marlon Brando, uma espécie de intérprete mítico nos anos 70, tem aparições imponentes como o pai original do super-homem: Marlon ainda não tinha detonado completamente sua forma física, como o faria nos anos seguintes.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br