A Melhor Montagem Musical no Brasil: Cantando na Chuva!

É uma enorme alegria ver um espetáculo do coração como este feito com tanta alegria e prazer

07/11/2017 14:47 Por Rubens Ewald Filho
A Melhor Montagem Musical no Brasil: Cantando na Chuva!

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Sempre tive uma relação tardia com o filme Cantando na Chuva porque ele custou a ser descoberto em sua estreia no Brasil, na verdade foi desprezado (não consegui descobrir por que), o descartaram como se fosse um musical qualquer e não o clássico de hoje em dia (Isso era muito comum no Rio de Janeiro e São Paulo porque a Metro tinha dois circuitos, a o A e o B, no primeiro passava os grandes êxitos num cinema muito luxuoso e no B, os filmes B menores nos bairros. Deve ter sido isso que sucedeu por aqui (em Portugal ele foi chamado de “Serenata à Chuva!”) e também pode se explicar essa falha porque naquele momento Gene Kelly estava numa fase ruim de sua carreira (seus filmes da época foram exageradamente em cima de balés e fracassaram. E a canção dele na chuva, só foi ganhar teor de clássico quando fizeram o documentário Era uma vez em Hollywood/ That´s Entertainment, 1974 (não se esqueçam que as canções dos filmes eram quase todas composições da produtora do projeto e já haviam sido utilizadas em outros filmes!).

Gene veio inclusive a São Paulo e Rio para promover o documentário, saindo-se bem já que nunca brilhou pela simpatia. Agora em retrospecto que percebo que antipático fui eu, que estava na coletiva. Enquanto todo mundo o celebrava com elogios, me lembro que fiz apenas duas perguntas e justamente sobre os dois fracassos dele: porque e como fez Hello, Dolly (ele enrolou e não assumiu que tinha errado com La Streisand, o elenco de coadjuvantes, o excesso de canções etc e tal. Mas fez uma cara de triste como se já tivesse consciência disso). Depois, perguntei sobre Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort ,1967), o filme francês de Jacques Demy que eu gostava muito. Sua resposta foi coerente: que era um filme bonito, que gostou de fazer, mas o problema é que as duas moças, irmãs, não tinham preparação para o balé e dança, e Catherine Deneuve e sua irmã Françoise Dorleac (Ele estava certo!). Depois não tirei foto com ele (tinha dessas coisas e acho que agora em retrospecto não vibrei com Kelly como faria alguém de bom senso porque eu era admirador do rival dele, ao menos na minha cabeça, que era o Fred Astaire. Esse sim, a perfeição. Kelly era mais uma atleta. Para vocês verem que quando a gente é muito jovem ao menos pensa muita bobagem.

De qualquer forma, Cantando na Chuva foi votado pelo American film Institute como o melhor musical de Hollywood. Donald O´Connor ganhou o Globo de Ouro (o filme também foi indicado). Os diretores Stanley Donen e Gene Kelly foram indicados ao Sindicato dos Diretores. E os roteiristas Betty Comden e Adolph Green ganharam no Sindicato dos Roteiristas. Foi indicado ainda ao Oscar de trilha musical (para o pouco famoso Lenny Hayton, uma espécie de arranjador) e atriz coadjuvante, uma contratada da Metro, Jean Hagen (1923-77), numa das composições humorísticas melhores de toda a história do cinema. Por aquelas injustiças custaram a reconhecer isso, embora ela tenha feito alguns filmes bons (O Segredo das Jóias de John Huston, A Costela de Adão com Tracy e Hepburn, Meu Amor Brasileiro com Lana Turner, passado aqui, mas filmado em estúdio). Nada que explique sua incrível criação nesse musical! Um Fenômeno! Fazendo o papel de Lina Lamont, a parceira de Kelly nos filmes mudos de aventura romântica, mas que tinha uma voz horrível e impossivelmente desafinada. Uma das grandes sacadas da montagem nacional foi justamente Claudia Raia ter preferido fazer o papel justamente de Lina e não o da heroína Kathy Selden que seria Debbie Reynolds no filme. Encantadora sem dúvida, mas Claudia fica com as melhores situações e piadas.

De qualquer forma, só fui assistir finalmente o filme, em meados dos anos 70, quando viajei para o Rio especialmente para ver a cópia que o Cinema Um conseguiu (era um circuito de filmes de arte ou reprises que teve enorme sucesso, e até uma cópia em Santos). Levei junto minha namorada, a Leilah Assumpção, que na época tinha antipatia por Debbie num momento muito especial. Como com frequência sucedia, eu era do contra, gostei do filme, mas não o achei tão genial. Revendo outras vezes, inclusive em Atlanta, dias depois da morte de Debbie, numa excelente projeção, consegui pôr as coisas no lugar certo. É genial e inesquecível.

Mas é curioso também e ser justo que houve várias tentativas de se fazer um Cantando na Chuva no palco, em especial em Londres e Nova York, e sempre malsucedidos. Por isso, que fiquei tão emocionado com a ousadia do casal de amigos, Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello. É impossível não amar a Claudia, com todo seu talento e generosidade (imagine que a conheci num taxi indo para o Rio, logo no começo em que ela estreava no musical A Chorus Line!). Com o Jarbas, já velho conhecido da classe teatral, tivemos o maior sucesso no palco quando o dirigi na montagem do texto do Fallabella, “Querido Mundo” que ficou cerca de 4 anos em cartaz. Como diz meu amigo Claudio Erlichman, Jarbas é sem dúvida o melhor astro do gênero musical no Brasil. Assino em baixo.

Mas já vi muita gente boa tentar e fracassar. Mas não é o caso desta encenação no Teatro Santander, primorosa em todos os detalhes sob a visão do diretor americano Fred Hanson. Na verdade, é uma versão extremamente fiel a todos os detalhes a ponto de encerrar como no filme com um número especial, Gotta Dance (e é quando Claudia tem seu momento Cyd Charisse!). E embora o que os mais jovens acham divertido é quando chove realmente nas fileiras iniciais, que ganham capas e guarda chuvas. Ou seja, a farra que elas querem.

Mas é extremamente difícil lidar com uma lenda como é este musical cinematográfica (pense bem, que são duas visões e criações diferentes, na tela e no palco, cada um com recursos diferentes). O incrível é que conseguiram transpor toda a magia para a cena (logicamente o show ficou maior no palco, o filme é bem mais curto e isso não incomoda, ao contrário, deixa o espectador mais feliz). Foi isso também o que eu senti quando tentei ir aos bastidores, mas fui abordado por uma grande quantidade de público que adoraram a montagem e queriam compartilhar a sensação comigo.

Nem precisavam. Aquele rapaz impertinente dos tempos de Kelly continua rigoroso hoje e não facilita nem os amigos. Mas que fica feliz quando eles lutam, batalham e acertam. É uma enorme alegria ver um espetáculo do coração como este feito com tanta alegria e prazer. Parabéns Claudia e Jarbas.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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