As Neuroses Sexuais e Morais: de Nelson a Neville
Os primeiros movimentos de Os Sete Gatinhos se alinham na grossura moral e sexual de muitos filmes brasileiros da epoca
Os aspectos anárquicos de Os sete gatinhos (1980), filme que o cineasta brasileiro Neville d’Almeida extraiu da dramaturgia de Nelson Rodrigues, sobrevivem numa revisão e determinam a própria sobrevivência da realização, a despeito do envelhecimento de seus assuntos e de algumas soluções de encenação tais como os vemos na narrativa de Neville. De uma certa maneira, esta anarquia da arquitetura cinematográfica tarda um pouco em aportar no filme. Os primeiros movimentos de Os sete gatinhos se alinham na grossura moral e sexual de muitos filmes brasileiros da época dentro duma linha narrativa mais ou menos convencional de exposição de personagens e situações; pouco a pouco a claustrofobia moral e sexual do universo familiar retratado vai explodir as facilidades iniciais, centrando-se em boa parte na reunião do patriarca Noronha (Lima Duarte num dos pontos altos de seus delírios interpretativos) com sua família (a gorda esposa e suas filhas liberais nos costumes) para saber quem engravidou a filha caçula Silene (uma notável Cristina Aché, à altura dela no elenco talvez somente uma jovem e fresca Regina Casé); a câmara trêfega e trôpega de Neville remete em parte a seus tempos turbulentos e subterrâneos do cinema marginal. Depois desta “torpe” reunião de família, a narrativa se desarma bastante, criando atmosferas esteticamente excitantes (até certo ponto); uma destas cenas-atmosfera é a divertidíssima sequência em que Maurício do Valle, em plena tara masculina, corre, à beira duma piscina, atrás duma Regina Casé nua, debochada, exposta então em toda a juventude de seu corpo.
Os sete gatinhos é menos sutil que A dama do lotação (1978), no que este filme danado pode ter de sutil, mas igualmente procura utilizar as superfícies eróticas para dizer alguma coisa sobre nossas neuroses morais e sexuais, de que Nelson Rodrigues forneceu algumas chaves. Engajado então na busca do grande público, Neville não poupara nada, nem seus intérpretes; e Os sete gatinhos mostra, ainda hoje, as possibilidades e os limites de seu cinema. Em seu tempo, dividiu percepções; creio que ainda hoje.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br