Verdades e Mentiras de Borges

Nas suas verdades e mentiras, Borges torna perplexa a autenticidade literaria

05/08/2023 03:01 Por Eron Duarte Fagundes
Verdades e Mentiras de Borges

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A grande personagem do ficcionista argentino Jorge Luis Borges é a literatura. Seus contos —uns mais, outros menos, mas todos são— se estabelecem como ensaios em torno da escrita. Há muito de semiótico nas tramas de Borges. Pierre Menard, autor do Quixote, incluído no livro Ficções (1969), não tem a trama habitual dos contos, pessoas movendo-se umas em direção às outras. A trama (se é que cabe usar a mesma palavra para coisas tão diferentes) é o processo de escrita que a personagem de Pierre Menard exercita observada pelo narrador que se situa acima ou por fora ou ao lado desta trama em que a linguagem (a que se vê em Borges e a que é narrada relativamente a Menard) é o centro.

Pierre Menard refaz o Quixote de Cervantes. É o mesmo texto, “palavra por palavra, linha por linha”. Um copista? Não exatamente. Lido em seu tempo, Cervantes “maneja com desenfado o espanhol corrente de sua época”. Lido no século XX, “Menard padece de alguma afetação”, tem “o estilo arcaizante”. Enviesadamente, Borges discute as leituras (ou leituras como escritos) no espaço de quadro décadas; Menard é a leitura do século XX do texto de Cervantes. Borges é o olhar crítico sobre os dois. Borges é um crítico literário inventor.

“Todo homem deve ser capaz de todas as ideias e acredito que no futuro o será.” Qualquer um pode assinar qualquer ideia? Na era da inteligência artificial neste multifacetado e perplexo século XXI entrado em anos, Borges nos ressurge como o paramoderno: a inteligência artificial é anônima e coletiva, o que produz poderá vir a ser assinado por qualquer homem, o homem com todas as ideias antecipado por Borges. Ambiguidade? “Mas a ambiguidade é uma riqueza.” O que há de ficção científica na prosa de elaboração intelectual de Borges, onde se oculta o gênero na construção narrativa do escritor argentino?

Nas suas verdades e mentiras, Borges torna perplexa a autenticidade literária (ou artística). As multifacetas de seu olhar literário ainda levantam uma última interrogação: “Atribuir a Louis Ferdinand Céline ou a James Joyce a Imitação de Cristo não é suficiente renovação dessas tênues advertências espirituais?”. A arte de Menard falsifica a literatura? Ou somente um lado da moeda é falso? Como os falsários que reproduzem Picasso no último filme de Orson Welles, Menard reproduz Cervantes no texto de Borges. Mas para Borges já é outra coisa: porque os séculos dão pesos diferentes à mesma materialização de linguagem.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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