O Pais dos Anjos
Uma das paredes de sustentacao de O Clube dos Anjos sao seus interpretes
O clube dos anjos (2022), filme dirigido por Angelo Defanti a partir dum original literário de Luis Fernando Verissimo (Gula, o clube dos anjos, 1998, novela que fez parte da coleção “Plenos pecados”, editada pela Objetiva para ilustrar os sete pecados capitais definidos biblicamente), se esforça por adaptar a história do autor gaúcho, escrita quase como um divertimento da década de 90 (lembra certas coisas da ficção de Fernando Sabino, superficial, leve, fluido) para um retrato —meio sombrio, meio alegórico— do Brasil desta virada dos anos 10 para os anos 20 do século XXI. A narrativa tem o aspecto de uma filmagem em porão, fazendo fusões de espaços, cores e palavras que agem como se fosse dado ao espectador uma espécie de pesadelo derrisório: os amigos que se reúnem para refeições que lá pelas tantas são preparadas por um sofisticado e esquivo cozinheiro e então mortes passam a ocorrer periodicamente, são instantâneos da classe burguesa, seres descompromissados, inconscientes e hedonistas (como no livro, a personagem de Daniel é quem narra os eventos, aparecendo às vezes de maneira enviesada diante das câmaras).
Uma das paredes de sustentação de O clube dos anjos são seus intérpretes. Magníficos estão Otávio Müller como o narrador Daniel, Matheus Nachtergaele como o estranho mestre da cozinha que parece estar envenenando a todos, Paulo Miklos e Marcos Ricca. É nas interpretações que o filme se recompõe de um certo artificialismo de sua parábola ultracontemporânea. Ao transpor o formato policial da novela de Verissimo (pode-se dizer que o próprio livro se frustra em sua estrutura) para uma alegoria sociológica ou política, O clube dos anjos, o filme, expõe seu pequeno encanto e seu fracasso estereotipado. A última frase dita por Daniel (que não há no livro) esclarece, ou levanta, o véu: “Comida é poder”, com o sarcasmo visual de Otávio Müller.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br