O Fracasso Poltico de Cyro

O romancista mineiro Cyro dos Anjos fracassou ao tentar uma fico poltica em Montanha (1956)

07/08/2016 01:10 Por Eron Duarte Fagundes
O Fracasso Político de Cyro

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O romancista mineiro Cyro dos Anjos fracassou ao tentar uma ficção política em Montanha (1956), cujo lançamento se deu no mesmo ano em que Grande sertão: veredas (1956), outro rebento mineiro, este às expensas da pena de João Guimarães Rosa, aturdia a literatura brasileira. Cyro representa, em sintaxe e verbo, a polidez clássica do literato mineiro, seu gosto pelo texto puxando para o arcaico, a linguagem e as construções sintáticas de refinamento muitas vezes inusitado. Guimarães Rosa é outro naipe: explode barrocamente a língua em todas as direções, o sertão é trabalhado na linguagem misturando a espontaneidade popular e o conhecimento erudito. Outro grande escritor mineiro, mais contemporâneo a esta parte, Autran Dourado intermedia estes liames entre Cyro e Rosa: refina, despoja, desbasta.

Por que Montanha é o morro do fracasso na literatura de Cyro? Antes disto, o autor fizera narrativas finas, de acurada composição psicológica a partir de ensaios de linguagem, de que O amanuense Belmiro (1937) é o exemplo mais citado, embora hoje em dia não muito lido, razões da desleitura que se encontram no mesmo cerne de onde o público atual se afasta quando depara com escritas do tipo de José Geraldo Vieira, Cornélio Pena e Lúcio Cardoso: são textos que parecem antecipadamente velhos para os termos atuais. Ao compor Montanha, o próprio Cyro, ao remeter os primeiros originais a seu patrício Carlos Drummond de Andrade, revelava suas dúvidas, pois o livro fugia à linha dos anteriores: “senti-me mais inseguro do que nunca e necessitado do conselho literário do compadre.” É claro que o compadre elogiou o novo romance: não se é compadre de graça. Mas quem admira o Cyro dO amanuense Belmiro, Abdias (1945) e A menina do sobrado (1979), não se sente muito em casa diante do retrato político do Brasil getulista que Cyro faz. Escrito desde Lisboa, onde Cyro lecionava na cadeira de Estudos Brasileiros, Montanha padece de um distanciamento frio que seguidamente soa falso. Há frouxidão e a recorrência fácil a situações estereotipadas do comportamento de um político a partir da figura de Pedro Gabriel, protagonista do romance. É bem verdade que o texto sempre engenhoso de Cyro dos Anjos pode seduzir o leitor que se deixe fascinar por estas linhas estilísticas cuja genética à Machado de Assis cada vez mais se evidencia. Em alguns aspectos a ingenuidade do artista brasileiro para meditar em nossos processos políticos parece não ter-se emendado muito, como se percebe pelo (todavia belo e formalmente preciso) filme brasileiro O fim e os meios (2015), de Murilo Salles. Há exceções, certamente: os romances Getúlio (2004) e Jango, a vida e  a morte no exílio (reportagem?; 2013), ambos de Juremir Machado da Silva, tem uma acidez narrativa bastante mais madura.

Montanha, reiteremos, desmorona pouco a pouco. Um ou outro lance de sensibilidade mais inspirado não salva o romance de sua desarticulação e insinceridade gerais. “A um canto do alpendre da casa de campo, Cláudia faz tricô, sem tirar os olhos de Nelsinho, que ensaia os primeiros passos dentro duma armação de rodas. Que pena Pedro não venha ver como o garoto está engraçadinho. Já o chamou duas vezes. Não sai do escritório senão pela tarde, para seu giro longo e solitário às margens da lagoa.” Ambientado essencialmente na cidade do Rio de Janeiro, Montanha tem uma urbanidade provinciana, ultrapassada. É curioso ver o retrocesso de Cyro desde sua ambientação diretamente provinciana de O amanuense Belmiro que se alastrava indelevelmente para um universo indelevelmente gideano. Montanha, apesar da reiteração de nossos vícios políticos, é uma espécie de crônica de costumes em torno da luta pelo poder que a todo o instante acusa seus mofos.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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