O Classicismo Bem-Comportado de Mcewan
Serena: um belo livro, bastante acima da media de boa parte do que se pode ler por ai
É verdade que o romancista inglês Ian McEwan não chega a propor nenhuma revolução nem uma profundidade mais demolidora em nossa ficção atual. Herdeiro de Jane Austen naquilo que a escrita tem de mais simples e no entanto sensível, McEwan faz de Serena (Sweet tooth; 2012) um falso romance de espionagem. Ele não parece ter a habilidade espontânea dos grandes autores policiais: o belga Georges Simenon, como exemplo. Dez anos depois de sua obra mais bem realizada, a obra-prima Reparação (2002), McEwan torna a seduzir-nos com seu verbo cheio de referências literárias clássicas e um hedonismo intelectual que não deixa, em momento algum, de namorar as facilidades de leitura do público.
Serena é um belo livro: bastante acima da média de boa parte do que se pode ler por aí. Mas a espionagem é somente um pano de fundo: a protagonista-narradora revela, desde o primeiro parágrafo, que é uma agente secreta, outrora enviada numa missão do Serviço de Segurança britânico e que “um ano e meio depois de entrar fui despedida, depois de ter caído em desgraça e acabado com a vida do meu namorado, embora ele certamente tenha tido um pouco a ver com a sua própria queda.” Ela é uma espiã como poderia ser qualquer outra coisa. A Guerra Fria está ali como poderia estar uma cerimônia de casamento. A literatura de McEwan adota umas relações superficiais com estas coisas. O que interessa ao narrador literário criado pelo escritor é uma pretendida história de amor e a estrutura com que se põe a sensibilidade verbal deste narrador.
A tensão tem a feição de cordialidade linguística dos clássicos britânicos. Não é a tensão da espionagem, da ação. É mais metafísico. Lembra um pouco o que fez o tcheco Milan Kundera em certa época. Tem certa relevância. Resta saber como estas belas literaturas lidarão com a posteridade.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br