O Sexo e a Afeicao
O romancista ingles Ian McEwan nao altera muito o curso duma narrativa classica em seus relatos
O romancista inglês Ian McEwan não altera muito o curso duma narrativa clássica em seus relatos. A novela Na praia de Chesil (On Chesil beach; 2007) é, para além de um belo livro, um modelo de construção formal que tem seduzido o grande público e despertado algumas cisões entre a crítica; ancorado num certo lustre da composição de personagens que é herdeiro tanto da inglesa Jane Austen quanto de franceses como Gustave Flaubert e Honoré de Balzac (por mais desparelha que a mistura seja), McEwan sofistica sua história com duas inserções: um fácil vaivém temporal sem as complexidades de Marcel Proust (pré-proustiano, pois) e o uso constante do discurso indireto livre que permite a ascensão do íntimo das criaturas em cena na fala do narrador (há, pelo que observei, somente um instante, em Na praia de Chesil, em que o narrador onisciente, habitual, emite algum juízo, falando das relações do corpo com a manifestação física duma falsidade).
Nada que perturbe a linha escorreita das emoções encenadas pelas palavras relativamente simplórias de McEwan: simplórias, mas bastante certeiras como conjunto narrativo. Desde o início o narrador dá entrada a uma batalha dos sexos; dá-lhes a entrada e o próprio “ânimo de relatar”. Edward e Florence surgem diretamente para o leitor: as descrições parecem sair diretamente deles —neste aspecto, nada do modelo clássico do século XIX, com suas longas introduções de caracteres. “They were Young, educated, and both virgins on this, their wedding night, and they lived in a time when a conversation about sexual difficulties was plainly impossible.” (“Eles eram jovens, educados, e os dois virgens então, em sua noite de núpcias, e viviam numa época em que falar das próprias dificuldades sexuais era certamente impossível.”). Os passos da noite de núpcias dum jovem casal, apaixonados ambos mas um pouco atrapalhados os dois, marca o ritmo da novela: é o presente narrativo. A cada passo o narrador joga suas personagens para diversos episódios que levaram Edward e Florence àquele desenlace erótico. Com uma agilidade próxima do cinematográfico, McEwan aponta as marcações de sua curiosa estrutura formal, esta mesma que antes lhe rendera seu mais belo trabalho, Reparação (2001). “How did they meet, and why were these lovers in a modern age no timid and innocent?” (“Como eles se encontraram, e por que eram estes amantes dos tempos modernos tão tímidos e inocentes?”). McEwan ambienta sua história dum fracasso sexual entre jovens no início dos anos 60, justamente os tempos da grande liberação de costumes; é o contraponto histórico do romancista: as tensões entre as exigências duma época e a preparação dos indivíduos.
A psicanálise campeia, como em outros momentos da ficção do autor. E neste aspecto as personagens das mães das duas personagens centrais são essenciais para uma certa interpretação da novela. A mãe de Edward é doente mental, ele o descobre por seu pai já na adolescência: isto explicaria sua insegurança, que gera a desastrada ejaculação precoce no leito nupcial. A mãe de Florence é distanciada: nunca abraçou a filha; isto explicaria a aversão da garota ao contato físico e, no caso do sexo, o contato físico extremo, a penetração. Assim, Na praia de Chesil, breve relato dum duplo fracasso sexual, joga as mães (personagens secundárias da trama) como holofotes das condutas de Edward e Florence, o centro da novela e a amarga visão do rompimento entre a afeição do casal e suas incapacidades físicas (momentâneas ou temporárias). No fim do livro, mais uma melancólica constatação da literatura: “This is now the entire course of a live can be changed —by doing nothing.” (“Eis como o curso inteiro duma vida pode ser mudado —por não se fazer nada.”). Sem sabedoria nem maturidade, Edward e Florence sucumbem em seus jovens anos — a vida, mais sábia, segue seu curso.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br