O Cinema do Cotidiano a Mineira
O Dia que te Conheci busca sua originalidade sem deixar de inserir-se numa visao de cinema e de mundo
O dia que te conheci (2023), de André Novais Oliveira, é mais um belo filme do atual polo mineiro de cinema. Voltado para o cotidiano periférico dos arredores de Belo Horizonte, em Minas Gerais, o filme flagra alguns excertos da vida de algumas personagens, especialmente duas, assim como quem não quer nada, sem os liames dramáticos tradicionais, buscando só os instantes de vida e suas tensões emocionais da hora.
Na abertura da narrativa, a câmara age documentalmente ao observar a personagem de Zeca, que tem de acordar cedo para o trabalho e pede ao amigo em cuja casa ele mora para o chamar de manhã. O amigo tenta, esforça-se, mas tudo inútil, não consegue acordá-lo, Zeca está ferrado no sono. Sucede que Zeca sai atrasado para o serviço. No caminho, outro contratempo: o ônibus estraga. Chega bastante atrasado ao local de trabalho. É Luisa, sua colega, quem se senta diante dele à mesa dele para lhe comunicar: ele está demitido. A partir daí é que acontece o filme: após o expediente, Luisa dá carona a Zeca, vão beber e conversar num bar, ela acaba indo para a casa dele, uma aproximação lenta (sexual e afetiva) se dá entre os dois, apesar de trabalharem juntos talvez há alguns anos é somente agora, quando ele é demitido, que ambos passam a conhecer-se, devastando-se intimamente um para o outro. E o cineasta faz esta crônica sentimental e humana de um homem e uma mulher com uma riqueza cinematográfica não comum nos filmes que habitualmente deparamos.
Todo o elenco está afinado com a proposta narrativa. Mas a atriz Grace Passô é de novo um destaque. Ela já brilhou em No coração do mundo (2019), de Gabriel Martins e Maurilio Martins, e em suas aparições em Desterro (2020), de Maria Clara Escobar. Grace foi também um brilho com sua voz-over no criativo Enquanto estamos aqui (2019), de Clarissa Campolina e Luiz Pretti. O polo cinematográfico de Minas teve outros trabalhos prestigiados, como Baronesa (2017), de Juliana Antunes, e Marte Um (2022), de Gabriel Martins. O dia que te conheci busca sua originalidade sem deixar de inserir-se nesta visão de cinema e de mundo.
P.S.: O lado mais irritante para quem curte cinema no dia-a-dia é ver como pessoas que passam por alto todo o cinema brasileiro que é feito hoje, detêm-se interminavelmente num único filme, por melhor que ele seja, como se ele fosse capaz de resumir, estereotipadamente, toda a multiplicidade das pessoas que fazem cinema por aqui. O dia em que estes espectadores bissextos (muitas vezes vindos de coisas laterais ao cinema, como o jornalismo político e a literatura) conseguirem conversar sobre os variados filmes brasileiros da atualidade, eu os levarei a sério. O dia que te conheci pode ser uma boa introdução à conversa.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br