A Caducidade do Romantismo Brasileiro
Diva, um dos romances de Alencar pertencentes à sua ficção urbana, se estabelece como um de seus idealizados retratos de mulheres
O romancista cearense de nascimento mas carioca como escritor José de Alencar é uma figura muito considerada na história da literatura brasileira. Sua linguagem exagerada, suas metáforas rutilantes e hoje em dia artificiosas, sua sintaxe de geometria romântica têm muitas dificuldades com o leitor de hoje, seja o leitor mais crítico, seja o leitor mais afeito a um universo afim de Alencar que são as xaroposas telenovelas de nossos dias; porém, de quando em quando algum leitor de hoje (e não se trata de velhos carcomidos por alfarrábios, mas geralmente de jovens que têm uma relação vital com as coisas de hoje, como o rock e a libertinagem sexual) topa em Alencar imagino algum contraponto que falta e se delicia com aqueles textos tão antigos, passados de quaisquer modas. Fui muito alencariano aos meus quinze anos de idade, e confesso que então cheguei a preferir as ingênuas alucinações verbais de Iracema (1865) ao cinismo seco e brutal de Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis. É um conceito que atualmente não se sustenta, nem para mim, nem para ninguém; alguns dizem que a retórica alencariana foi um atraso para nossas letras, outros que seu sopro retórico (mesmo precário e suplantado pelo crivo do tempo) foi sua forma de desbravar os caminhos e a ele devemos o que houve de avanço em nossa literatura. Gente como Sílvio Romero (crítico literário oitocentista) e Afrânio Peixoto (ficcionista nebuloso do início do século XX) prefere Alencar a Machado de Assis. Segundo uma antiga crônica do escritor caxiense José Clemente Pozenato, o avanço de Machado de Assis sobre José de Alencar se deu porque Machado soube incorporar o despojamento da linguagem jornalística a seu texto medido e refinado.
Reli Diva (1864), um dos romances de Alencar pertencentes à sua ficção urbana e que se estabelece como um de seus idealizados retratos de mulheres. A falsidade gongórica de sua trama é hoje evidente; assim também a linguagem, apesar da “inteligência” linguística de Alencar, padece do exagero que quebra qualquer possibilidade de se amar verdadeiramente uma literatura assim.
Diva é ficcionado como uma grande epístola que o narrador, Augusto, envia a Paulo, personagem e narrador dum romance anterior, Lucíola (1862); enquanto Paulo remete outra carta e a carta de Augusto (carta que é o próprio romance, um anexo da carta de Paulo) a G.M., que seria o autor (ou editor) do livro que o leitor está começando a ler. A figura feminina de Emília, com uma inconstância de livre arbítrio do narrador, não tem profundidade; os exageros sentimentais de Augusto e Emília constrangem por sua absoluta falta de veracidade. Apesar de certos registros de crônica da geografia e da sociedade cariocas, Diva se difere da aventura literária carioca de Machado de Assis, mesmo aquela mais frouxa e conformista de Machado, que adotaria uma linguagem menos metafórica.
De qualquer maneira, com Alencar eu fico sempre com dois corações. Quando o atacam futilmente, sinto-me tentado a defender suas bravuras. Quando o leio, irrito-me facilmente, pois ele poderia ter sido um romancista melhor, pois é na base um escritor de relevo.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br