A Pós-Fábrica Como Personagem
A Oeste dos Trilhos (2003) rodado pelo chinês Wang Bing é um grande afresco das transformações sociais e econômicas por que passou o país na abertura do milênio
A oeste dos trilhos (2003), rodado entre 1999 e 2001 pelo chinês Wang Bing e lançado internacionalmente no Festival de Rotterdam de 2003, é um grande afresco das transformações sociais e econômicas por que passou o país na abertura do milênio. O documentário acompanha, em longos planos-sequência que captam o tempo real da cena original que gerou a imagem que o espectador vê, o que acontece com um grupo de trabalhadores das indústrias de metais no distrito de Tie Xi Qu (que é o título original do filme em chinês), próximo da cidade de Shenyang, no nordeste da China; nas três partes em que se divide a narrativa de Bing (Ferrugem, vestígios, trilhos) vemos os incessantes movimentos dos trabalhadores nos anos em que as fábricas funcionavam, depois os lentos desmontes destas fábricas quando sobreveio a crise e empregados começaram a ser demitidos, finalmente os subterfúgios usados pelos que sobraram nestes cenários de ruínas para adquirir uma nova forma de ganhar a vida. O que fica de maneira mais forte de todo o processo criativo do realizador chinês é o estabelecimento de um novo protagonista cinematográfico: a pós-fábrica, a ambientação das ruínas industriais, uma grande sucata como personagem.
A primeira parte, “Ferrugem”, começa e termina com um movimento que volta-e-meia torna em todo o afresco: um travelling-para-a-frente sobre os trilhos, a câmara no ponto de vista do trem. A terceira parte, “Trilhos”, usa muito este tipo de imagem, e igualmente vai iniciar e concluir-se com este movimento de câmara a bordo do trem.
Wang Bing volta sua lente para os grandes esquecidos, os mais humildes trabalhadores de seu país. As residências pobres à margem das estradas de ferro que levam o progresso e a grande incapacidade de gerenciamento social que se dá em época de crise atravessam A oeste dos trilhos de maneira sombria e acusadora. Curiosamente, ao falar de um problema social, a destruição de empregos, não fez um filme abertamente político: ocultou os agentes por trás de tudo, os governos e as grandes corporações. Deu voz ao lamento popular como forma de conscientização. Mas que poderosa voz!
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br