Analistas minuciosos e acurados tentam desenhar as formas de construção duma personagem —na literatura, no teatro e no cinema. A personagem de ficção, obra teórica acadêmica construída em 1964 no meio universitário e editada em livro em 1968, traz, cada um a seu tempo, análises de Antônio Cândido (“A personagem no romance”), Décio de Almeida Prado (“A personagem no teatro”) e Paulo Emilio Sales Gomes (“A personagem cinematográfica”). Anatol Rosenfeld antes introduz conceitos estruturais da personagem em “Literatura e personagem”, e Antônio Cândido divaga num prefácio sobre o projeto reflexivo do volume.

A despeito de conter algo acadêmico de encomenda, com excessos teóricos, sem descer mais amiúde à prática ou literária ou teatral ou cinematográfica, A personagem de ficção entremostra o brilho agudo de seus autores. Cândido navega nas relações entre o ser vivo e a criatura literária, estabelecendo semelhanças, diferenças e ultrapassagens entre o vivo e o inventado. Décio parte da literatura para mostrar como a pessoa em carne e osso num palco determina uma diferença essencial para se edificar o ser inventado inicialmente pelo escritor teatral. Paulo Emilio vai observando a personagem literária, a personagem teatral, para ver no cinema o romance teatralizado ou o teatro romanceado como definidor dum outro tipo de personagem, fusão das artes antecessoras, e lembrando sempre que estes seres da tela, ainda que possam muitas vezes ser feitos de palavras faladas, são condicionados pelo contexto visual —digo eu, a câmara, a montagem, a fotografia, o cenário-câmara.

A personagem de ficção está longe de ser a contribuição mais alta de seus autores para a reflexão estética brasileira. Mas, apesar de aqui e ali tomar um ar postiço e de enfado, apresenta algumas soluções analíticas cujo proveito póstero está sempre à mão.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)