Um Ensaio Sobre o Genero
Pode-se dizer que Bixa travesty (2018) se trata de um filme de ensaio pos-moderno
Pode-se dizer que Bixa travesty (2018) é um filme de ensaio pós-moderno. Fala muito à sensibilidade (ou sensualidade, ou sensorialidade) de ver; mas não abdica da razão ensaística, reflexões. É um pouco um tiro no olho do espectador; um pouco um mergulho em nosso cérebro, em suas zonas escuras.
Dirigido a quatro mãos por um casal que na vida de fora do cinema é de fato casado, Kiko Goifman e Claudia Priscilla, o filme segue muito a linha documentário-ensaio-ficção que ambos, em filmes que não dividiam um com o outro, já vinham exercitando; Goifman fez 33 (2002), FilmeFobia (2009) e Periscópio (2012), nesta linha de misturas; Priscilla dividiu com Pedro Marques a realização de A destruição de Bernardet (2016), que tinha Goifman entre os produtores, e se confunde às vezes com um ensaio sobre e de Bernardet.
Certamente Bixa travesty é mais explosivo e agressivo que tudo o que os realizadores fizeram até agora. No início do filme, a intérprete e estrela da narrativa paradocumental, Linn da Quebrada, uma cantora underground transexual negra, aponta o dedo para a câmara, para o observador, e dirige palavras fortes ao macho dominador, que organizou seu mundo para que o feminino lhe servisse, mas não contava com o inesperado do aparecimento duma figura que confundisse a dialética feminino-masculino: um feminino que não é homem mas tem pênis e barba, um feminino que não necessariamente quer ter peitos mas busca seu prazer à margem dos machos tradicionalmente conhecidos. Um dos pontos altos de Bixa travesty é uma reflexão de Linn sobre o cu, o cu como fonte de temores mas que, ao ser descoberto, revela achados profundos sobre o homem, para além de macho ou fêmea.
Com sua constante desconstrução de conceitos, Bixa travesty penetra em nossa caverna da sexualidade para não deixar ninguém ileso. Delirante e às vezes desgovernado, o filme de Kiko e Claudia é no fundo um filme de Linn e sua volúpia de viver — como se é.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br