A Mais Atual das Personagens Brasileiras; A Viso de um Crtico
Pode-se dizer que Um mestre na periferia do capitalismo (1990) um refinado jogo em filigranas feito por um crtico, Roberto Schwarz
Pode-se dizer que Um mestre na periferia do capitalismo (1990) é um refinado jogo em filigranas feito por um crítico, Roberto Schwarz, em torno dos sinuosos torneios mentais que um romancista de nossa primeira maturidade literária executou, Machado de Assis. O objeto central das lucubrações estéticas de Schwarz é o marco que fez a virada da literatura brasileira no século XXI, Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); a filigrana crítica se esforça por acompanhar as filigranas inventadas pelo ficcionista, para sair dos diversos mofos românticos que estorvaram a evolução de nossas letras no século retrasado.
Antes, em seu ensaio Ao vencedor, as batatas (1977), Schwarz se debruçou sobre a fase inicial, dita romântica, da obra de Machado, para tentar buscar nela algumas raízes que indicassem o salto que viria a partir dos anos 80 do século XIX; assim, Um mestre na periferia do capitalismo, ao penetrar no começo da virada de jogo, é a continuação do livro anterior, mas os dois juntos se põem como uma tentativa de quebrar o liame fácil que separa as duas fases, sem descaracterizar a individualização de cada fase. Como certa vez observou o próprio Machado, em ambos os casos tudo serve a definir a mesma pessoa. Então se justifica o conselho de Schwarz no prefácio de Um mestre: “Ainda assim, se não é pedir demais, estou seguro de que ambos ganham em ser lidos juntos”.
Brás Cubas, sabemos todos, é um retrato do cinismo das elites brasileiras. Nos tempos atuais, seu espectro retorna em toda a força: estamos inundados e devassados por vários Brás Cubas no cenário do país. O sarcasmo do narrador oculto de Machado de Assis é descortinado pela visão de Schwarz: herdeiro de Antônio Cândido, Schwarz rejeita a dicotomia pela ruptura, a evolução como negação do passado; tudo o que estava em autores medíocres e convencionais em nosso passado literário volta a manifestar-se na segunda fase machadiana, mas a diferença é o ponto de vista, este narrador nas sombras que dá outro significado a situações e personagens. Segundo o crítico, “diversamente dos românticos, para os quais o pitoresco funcionava como exigência cenográfica, à qual a dramaturgia propriamente dita escapava, Machado o vai situar no âmago mesmo de suas personagens principais.” Vemos, com os olhos do analista, aquilo que há de pitorescamente brasileiro em Brás Cubas, o indivíduo petulante e teorético, transformar-se numa estrutura dramática que simula os próprios elementos da mal formada sociedade brasileira.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br