A Poética Musical da Imagem em Lima Júnior

Uma reflexão sobre um filme, nesta época de Carnaval, que teve importante papel na cena da história dos anos da ditatura

04/02/2013 23:37 Da Redação
A Poética Musical da Imagem em Lima Júnior

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O momento mais criativo do cinema do brasileiro Walter Lim Jr. se deu em A lira do delírio (1978), cujo descosimento narrativo é um embalo experimental para o carnaval carioca. O que ontem poderia parecer superficial e desconexo é hoje uma experiência cinematográfica complexa e no entanto sensorial, próxima e ao mesmo tempo distante daquela de A idade da terra (1980), o último filme de Glauber Rocha, o maior cineasta brasileiro, e feito pouco depois. Nota-se também que A lira do delírio é uma espécie de canto cinematográfico de amor de Walter à sua mulher e musa, Anecy Rocha, irmã de Glauber, que aparece o tempo inteiro em cena, preenchendo a imagem com suas danças carnavalescas improvisadíssimas, suas pinturas excêntricas, seu jeito barroco-libertino dos Rocha; mas isto todavia não retira do filme sua abrangência estética, não o transforma num caso individual incapaz de atingir o espectador; A lira do delírio é quase tudo o que a crítica do centro do país viu no fim dos anos 70 e a crítica gaúcha de então não soube ver.

Lima Jr. nem antes nem depois repetiu o feito, preferindo fazer filmes mais acessíveis à leitura do público. É claro que o cineasta continua a perseguir em sua linguagem cinematográfica uma poética musical, onde poesia e música se reconciliam com a imagem; mas esta busca é geralmente mais direta, quase naturalista, bastante à margem das perturbações inquietantes de A lira do delírio. Lima Jr. orquestra com tanta mestria a expressividade da imagem que ela permanece conosco por décadas longe: Anecy Rocha correndo e atrás dela vindo Claudio Marzo numa pista de aeroporto, o primeiro plano em que o bebê é retirado do berço para sequestro. A questão da origem musical da imagem criada por Lima Jr. está dentro, incrustada na forma de filmar, nada a ver com a objetividade da adaptação que ele próprio fez de Inocência (1982), um romance pararromântico do novecentista brasileiro Visconde de Taunay.

Há um fio de tema dentro das experimentações de A lira do delírio. Num dia de carnaval, um bebê é sequestrado pelo amante da mãe, que contrata gente do tráfico de drogas para isto. Mas é o carnaval (seus delírios, seu hedonismo) que domina a imagem; esquece-se do sequestro pela festa. A lira do delírio é a festa brasileira. É muito carioca, mas se expande e realiza talvez o mais caracteristicamente brasileiro de nossos filmes experimentais. Caberia a ele umas observações do ensaísta brasileiro Jean-Claude Bernardet sobre certos filmes que, desistindo de “falar sobre um assunto”, propõem uma aproximação poética com a realidade. “São filmes de libertação, porque não oprimem nem o assunto abordado, nem os espectadores: eles lançam hipóteses a respeito das relações que uma pessoa ou um grupo de pessoas mantém com uma situação histórica na qual está inserido e da qual faz parte.”, diz Bernardet em Piranha no mar de rosas (1982), uma coletânea de textos publicados nos anos 70. A situação histórica em 1978, o ano de A lira do delírio: como as pessoas no Brasil viviam os tempos de pré-abertura política, como se inseriam no carnaval; hipóteses da realidade.

P.S.: O lançamento de A lira do delírio, no fim da década de 70, foi marcado pela trágica morte da atriz Anecy Rocha, pouco depois das filmagens. Anecy caiu no fosso do elevador do prédio onde morava. Assim, o canto de amor promovido por Walter à sua mulher tem um sabor amargo; e isto se reflete na montagem final, que traz uma dispersão desesperada a que somente os anos puderam conferir uma unidade profunda.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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