A Linguagem Venenosa de Garca Mrquez

O veneno da madrugada uma narrativa soturnamente potica

26/04/2019 01:05 Por Eron Duarte Fagundes
A Linguagem Venenosa de García Márquez

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Como se sabe de Cem anos de solidão (1967) a Memórias de minhas putas tristes (2005), o verbo do escritor colombiano Gabriel García Márquez tem um veneno peculiar de linguagem que, injetado no leitor, não vislumbra nenhum antídoto no mundo: quem o lê é arrastado por estas águas impetuosas de palavras onde a vontade de transformar o mundo em literatura é inarredável. O veneno da madrugada (1962), uma obra-prima inicial da ficção de García Márquez e que teve uma bela versão cinematográfica rodada pelo moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, confirma no texto do autor um poder venenoso e ferino.

Ambientado nos rincões duma longínqua América Latina, farejando personagens inusitadas e esquivas de interior, O veneno da madrugada é uma narrativa soturnamente poética. Adotando misturas de rigor clássico com transbordamento barroco à maneira de outros livros de García Márquez, o romance seduz em cada linha, por seu som, pelas cores nativas que evoca, pela absoluta beleza de sua linguagem. Sem o formalismo experimental do filme que Guerra extraiu do livro, temos na obra de García Márquez uma agudeza de inquietação que torna livres e criativas sua reverência a um certo classicismo literário hispânico que vem desde Miguel de Cervantes.

“Ele pareceu não ouvir a formosa voz baritonada. A praça deserta, as amendoeiras adormecidas sob a chuva, o povoado imóvel no seu inconsolável amanhecer de outubro lhe causaram uma sensação de desamparo. Mas quando se acostumou ao barulho da chuva, ouviu, vindo do fundo da praça, nítido e um pouco irreal, o clarinete de Pastor. Só então respondeu ao bom-dia deTrinidad.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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