Stonewall - Onde o Orgulho Comecou

Resenha especial escrita a quatro maos, pelo jornalista, critico de cinema e professor de Comunicacao e Artes Felipe Brida, e pelo ator, professor de teatro no Senac Catanduva e membro do Conselho Municipal dos Direitos LGBT de Catanduva Thales Maniezzo

07/08/2019 12:42 Por Felipe Brida
Stonewall - Onde o Orgulho Comecou

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Stonewall – Onde o Orgulho Começou (Stonewall). EUA, 2015, 129 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Roland Emmerich. Distribuição: Flashstar

O jovem Danny (Jeremy Irvine) é expulso de casa pelo pai conservador, pelo fato de ser gay. Sem lugar para morar, muda-se para Nova York e é acolhido por um grupo de travestis (gays afeminados) e garotos de programa. Pouco tempo depois estoura a Rebelião de Stonewall, em 1969, o primeiro grande movimento em prol dos direitos LGBTQIA+, o chamado, até então, Orgulho Gay.

Infelizmente fracassou nas bilheterias esse bom drama baseado em fatos verídicos, um feito pessoal do cineasta alemão Roland Emmerich, cuja filmografia ficou calcada em blockbusters de ficção científica repleta de desastres e efeitos visuais absurdos, como “Independence Day” (1996), “Godzilla” (1998) e “2012” (2009). Ele fugiu do seu tradicional cinemão para prestar uma homenagem à luta do público LGBTQIA+ em busca da igualdade de direitos. Emmerich foi lá atrás, em 1969 (há exatos 50 anos, comemorado no dia 28 de junho), para traçar a história do lendário bar do Greenwich Village de Nova York Stonewall, onde tudo começou. Um local frequentado por gays, gerenciado pela máfia nova-iorquina, que virou palco de uma revolta violenta em 28 de junho de 1969, que mudaria para sempre o curso da História. Na época, os gays eram proibidos de trabalhar, viviam em completo abandono social; cansados de serem achincalhados em batidas policiais no bar Stonewall (além de apanhar e até sofrer abusos), resistiram nas ruas por três dias quando a tropa de choque cercou o local. A polícia foi expulsa, e a partir daí ganhava corpo o Gay Power, uma revolução que ao longo dos anos alcançou o mundo inteiro.

Emmerich fez um filme histórico e com ponto de partida real, mesmo utilizando boa parte de personagens ficcionais (alguns existiram, nos letreiros finais mostra quem é quem e como a trajetória deles terminou). De forma humana, mostra uma sociedade doente, que reprimia gays e lésbicas (e ainda reprime), uma polícia autoritária que espancava os homossexuais (e matavam, desovando os corpos em rios e áreas abandonadas, como cita nos diálogos), ou seja, pessoas movidas pelo ódio contra gente que apenas tinha relação com outros do mesmo sexo.

Os clichês e as poucas cenas ousadas (o que poderiam ter investido mais) não deixam o filme mais pobre, como muita gente criticou. Que bom que existe esse filme para discutir o tema!

Rodado no Canadá, tem boa ambientação e parte técnica adequada. A própria comunidade gay americana não gostou com reações negativas ao protagonista branco e bonito e ao diretor Roland Emmerich; diziam que ele era hétero, que não conhecia outro cinema exceto o de ficção científica – mas logo depois ele se declarou gay e um ativista do movimento. Filme gera opinião, então não dá para agradar todos...

Destaque para o trabalho do elenco, como o protagonista Jeremy Irvine (revelado em “Cavalo de guerra”) e Jonny Beauchamp (como Ramona), além dos já conhecidos Jonathan Rhys Meyers (num papel fantástico), Matt Craven e Ron Perlman.

Há outras versões para cinema sobre a Rebelião de Stonewall (de filmes, séries e documentários), mas este, até agora, mesmo não sendo uma maravilha da Sétima Arte, é o que melhor explica sobre as origens dos movimentos do Orgulho Gay e da força LGBT, de extrema importância para as novas gerações.

 

“Conga: Se eu não tivesse pego, nada seria meu”

 O que mais teremos que pegar? Qual o preço que você paga para poder existir?

Triste pensar que o caminho entreaberto que nós LGBTQIA+ temos hoje foi conquistado através de muita luta, resistência e sangue derramado. Quem abriu esse caminho, e merecia mais protagonismo no filme “Stonewall” (2015), eram os coadjuvantes como Marsha P. Johnson e Ray - as pessoas trans, drags e gay afeminados sempre foram os primeiros a darem a cara à tapa na luta pelos direitos LGBTQIA+. A grande polêmica desse filme se dá pelo fato de Danny ser branco, um típico menino do interior e pintá-lo como herói, principalmente na cena em que ele atira o tijolo na janela do bar Stonewall iniciando o motim contra os policiais; talvez tenha sido o maior tiro no pé do diretor, tornando o filme datado para essa produção que, mesmo tendo apelo comercial com um protagonista galã e branco, abre margem para uma questão: Será que héteros o assistirão pela temática? E os LGBTQIA+ se sentirão completamente representados?

Se por um lado temos esse protagonismo questionável, nós temos a reafirmação (mesmo de forma branda) que os precursores do movimento e da ocupação daquele espaço (da rua e do bar) eram os afeminados.

A sociedade tendo como herança um modelo patriarcal e com um machismo estrutural impregnado ainda coloca a mulher ou quem fizer referência às características do “dito feminino” como inferior. O filme ignora esse fato trazendo esse protagonismo masculino focado no mundo Gay, e deixando todas as outras siglas L_BTQIA+ meio como pano de fundo, mas o filme não nega a história e traz à luz o que, de certa forma, ainda acontece na sociedade: a aceitação maior do homem Gay, apenas pelo fato dele pertencer ao gênero masculino.

Se ainda acreditarmos que rosa é de menina e azul é de menino, continuarmos atribuindo gênero às cores, tecidos, brinquedos, roupas e comportamento, talvez o filme não seja de todo mal, talvez seja uma forma didática necessária e até contundente de dizer o que pra nós LGBTQIA+ já seja óbvio, mas que pros héteros ou menino gay do interior talvez não seja: o lugar que cada um ocupa na sua escala de privilégio e como a história se deu e se repete.

E para aqueles que acreditam que seja incoerente colocarmos nomes e mais letras à sigla que começou como GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) já que lutamos tantos por igualdade e não deveríamos “segregar” a nós mesmos em siglas ou nomenclaturas, um recado: isso só é feito para que você, hétero, entenda que existem pessoas diferentes de você. E que a todo mundo deveria ter representatividade, voz e os mesmos direitos que vocês usufruem, nem que para isso tenhamos que pegar algo que deveria já ser nosso tacando um tijolo na janela da heteronormatividade.

 

 

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Sobre o Colunista:

Felipe Brida

Felipe Brida

Jornalista e especialista em Artes Visuais e Intermeios pela Unicamp. Pesquisador na área de cinema desde 1997. Ministra palestras e minicursos de cinema em faculdades e universidades. Professor de Semiótica e História da Arte no Imes Catanduva (Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva) e coordenador do curso técnico de Arte Dramática no Senac Catanduva. Redator especial dos sites de cinema E-pipoca e Cineminha (UOL). Apresenta o programa semanal Mais Cinema, na Nova TV Catanduva, e mantém as colunas Filme & Arte, na rede "Diário da Região", e Middia Cinema, na Middia Magazine. Escreve para o site Observatório da Imprensa e para o informativo eletrônico Colunas & Notas. Consultor do Brafft - Brazilian Film Festival of Toronto 2009 e do Expressions of Brazil (Canadá). Criador e mantenedor do blog Setor Cinema desde 2003. Como jornalista atuou na rádio Jovem Pan FM Catanduva e no jornal Notícia da Manhã. Ex-comentarista de cinema nas rádios Bandeirantes e Globo AM, foi um dos criadores dos sites Go!Cinema (1998-2000), CINEinCAT (2001-2002) e Webcena (2001-2003), e participa como júri em festivais de cinema de todo o país. Contato: felipebb85@hotmail.com

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