Cinema e a Ascens?o da Magia

Excalibur eh um verdadeiro espet?culo cinematografico em sua essencia

22/04/2020 14:13 Por Eron Duarte Fagundes
Cinema e a Ascens?o da Magia

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Lá pelas tantas, engolfada nos êxtases de tantas imagens esplendorosas de Excalibur (1981), um épico do cinema dirigido pelo inglês John Boorman, uma fala do mago Merlin diz: “O tempo dos deuses está acabando. É chegado o tempo do homens.” A narrativa de Boorman trata basicamente disto: duma época em que seres míticos (o mago Merlin, a fada Morgana) se esgueiravam nas sombras, esforçados mas sumindo-se das decisões dos destinos, para dar lugar às ações dos homens, ainda uma mistura de mítico herói e ser real (o rei Arthur, Lancelot, Guinevere, o trágico trio de personagens que movimentou as circunstâncias do reino dos Cavaleiros da Távola Redonda). É mais ou menos esta ideia que o brasileiro Glauber Rocha quer passar quando põe uma voz a cantar em Deus e o diabo na terra do sol (1964) que “a terra não é Deus nem do Diabo, a terra é do homem.” Ressalvados os abismos estéticos que separam o largo espetáculo de Boorman e a erosão formal que é a experiência de Glauber, um e outro anunciam o fim das realizações míticas, embora as narrem, e o começo do racionalismo, a era da razão que, no caso da Idade Média inglesa, seria o advento do Renascimento logo após.

Mas Excalibur, apesar desta mensagem palidamente evocada da boca desconsolada e profética de Merlin, é um hino à magia do cinema. É o verdadeiro espetáculo cinematográfico em sua essência, com suas cores e figurinos e as imponentes partituras extraídas de Richard Wagner e Carl Orff. Tudo é feito por Boorman para que o cinema exubere em seus aspectos visuais: como escreveu Pauline Kael, “um luxo”; isto é, vem uma cena de tirar o fôlego seguida de outra; mas não é um luxo hollywoodiano, fácil e superficial, porque Boorman adota o rigor britânico de seu ofício. Está mais para o cérebro estético de Lawrence da Arábia (1962), do inglês David Lean, do que para as luxuosas encenações made in América, como Ben-Hur (1959), do norte-americano William Wyler, ou as extravagâncias de produção de Cecil B. De Mille. Toda extravagância em Excalibur é absolutamente controlada, sem abdicar do impacto sobre a sensibilidade do espectador.

A magia ascende em Excalibur. E é com esta característica mágica da cena que Boorman, lidando propositadamente com uma dicção de atores pré-shakespeareana (como se Lawrence Olivier nunca tivesse existido no cinema), se comunica com o observador atual. Escreveu o crítico Tuio Becker num texto de 1982: “A sensação de magia que Boorman transmite surge desse seu rigorismo. Mesmo empostados para dizer seus textos, os atores não soam ridículos.” De fato: sem embargo do assombro inicial do assistente diante das “declamações” dos intérpretes (discursos meio artificiosos, se deslocados de seu cenário mágico), aos poucos nos acostumamos com a carruagem dos diálogos e chega um envolvimento que é um tanto cerebral, outro tanto emocional (um naipe de emoção mais refinado, certamente).

Boorman usa a conhecida história da Távola Redonda com muita criatividade. O triângulo amoroso formado por Arthur, Guinevere e Lancelot está repleto de considerações elevadas sobre o amor, a amizade, a honra, os esforços das batalhas nesta vida. Os movimentos sombrios das lutas entre o mago Merlin (o bem) e a fada Morgana (o mal; com ela Arthur, eles são meio-irmãos, teve uma relação sexual onírica e gerou o filho incestuoso Mordred, ser terrível que enfrenta Arthur na batalha final) assombram as fabulosas imagens de Excalibur. Lentamente, na plena posse das funções de seu ofício, Boorman vai passar ao espectador as complexidades duma história tão conhecida que se tornou lugar-comum; o esforço bem-sucedido do cineasta é retirá-la deste lugar-comum.

 

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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