O Mundo e a Arte da Palavra
Em A Menina Quebrada, de Eliane Brum, ha certas fossilizacoes na estrutura social brasileira
Eliane Brum é uma jornalista gaúcha (ou uma gaúcha jornalista?) que vive atualmente em São Paulo. Suas origens sulinas e seu percurso em busca do lugar ao sol mais visível num país provinciano se casam em seus textos, a maioria crônicas e reportagens para jornais e de publicações na internet. Esta dialética entre o sul e o centro constrói a atual especificidade de sua inteligência jornalística.
A menina quebrada e outras colunas de Eliane Brum (2013) é um de seus livros de crônicas. Abrange o cruzamento entre o abandono (momentâneo? definitivo? não se pode saber), pela autora, da grande imprensa impressa e a adoção do texto divulgado exclusivamente na internet, um espaço ao mesmo tempo marginal e majoritário nos dias de hoje. Mais importante, talvez, seja a constância de sua visão de mundo, especialmente, do país: uma visão crítica que tem seu lado ácido, porém estava atravessada por certas secretas delicadezas de intenções que se abrem para o humanismo denso de Eliane.
Nestas observações precisas, acuradas da observadora social o leitor interessado vai constatar algo surpreendente e que a desmemória brasileira esquece: como certas atitudes do Partido dos Trabalhadores, passado o otimismo inicial com um operário no poder, se parecem muito com as ações do atual desastroso governo de Jair Bolsonaro; e as questões cruciais, como o tratamento que damos à Amazônia, a prepotência de Dilma para com subordinados e outras pessoas humildes do povo, a aliança de Lula com Maluf no famoso aperto de mão. Em determinada crônica, Eliane se pergunta: qual é o tamanho de Lula? Eliane fala de literatura, de cinema com grande classe disponibilidade de argumentos, seu texto sobre a cinebiografia que o diretor Fabio Barreto fez sobre Lula é um exemplar de capacidade de penetrar nos equívocos de construção duma narrativa cinematográfica.
Pensando com a clareza possível, pode-se concluir, pela iluminação social que dão as crônicas de A menina quebrada, que há certas fossilizações na estrutura social brasileira. Houve uma ilusão quando se elegeu o PT: a sociedade elegeu o PT por razões não muito distantes daquelas que a fizeram pôr no poder a um homem como Jair Bolsonaro, um antípoda de Lula. Todavia... Não mudamos: somos arcaicos O PT que governou o país ainda tinha muitos arcaísmos: a trajetória brasileira de Lula a Bolsonaro não deixa de ter certa lógica, depreendo das leituras das crônicas de Eliane. Esta impressão já havia em anotações da época da ascensão do PT ao poder feitas por outro jornalista que se entusiasmou no primeiro momento, Fausto Wolf, mas logo se decepcionou. As crônicas de Eliane, lidas agora, confirmam estas suspeitas das parecenças entre os governos, na prática, do PT e este atual, que radicalizou e trouxe para a luz o lado mais tenebrosamente retrógrado de nosso mundinho nacional. Ressalvados, nesta ponte entre Lula e Bolsonaro, é claro, todas as estultícias do séquito que veio junto com o atual presidente: Lula e algumas vezes Dilma, é claro, tinham mentes melhores a seu redor, o que poderia gerar uma diferença substancial, porém não tão profunda nas marcações estruturais de nossa sociedade quanto se pensa muitas vezes.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br