O Mundo Louco Entre a Arte e o Crime

Genet transforma Diario de um ladrao numa especie de Biblia da libido (carnal, moral, intelectual, estetica)

03/10/2019 14:57 Por Eron Duarte Fagundes
O Mundo Louco Entre a Arte e o Crime

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Diário de um ladrão (Journal du vouleur; 1949), escrito pelo francês Jean Genet sob o desespero marginal que invadiu uma certa intelectualidade europeia nos anos imediatamente posteriores à demência bélica dos anos 40, é um desfile de desejos de seu autor. A volúpia de viver, mesmo em condições que contrariam sua natureza, move o espírito de Genet dentro de sua literatura.

Homossexual e aventureiro, Genet põe em cena seu corpo de aventuras. Não se precisa ter pudor no universo em que ele se autorretrata, documentando uma fatia do mundo daqueles tempos. “Les jeux érotiques decouvrent un monde innommable que révèle le langage nocturne des amants.” (“Os jogos eróticos descobrem um mundo inominável revelado pela linguagem noturna dos amantes.”). Com sua capacidade de seduzir o leitor, aproximando-o, pelas palavras, deste mundo tresloucado e à margem (diz Sartre, escrevendo sobre o livro, que “Genet fait apparaître une foule grouillante et touflue qui nous intrigue, nous transporte”, “Genet faz aparecer uma massa agitada que nos intriga, que nos transporta”), Genet transforma Diário de um ladrão numa espécie de Bíblia da libido (carnal, moral, intelectual, estética) de um homem que foi um dos cérebros privilegiados do século XX. Genet, visto assim, lido assim, é um pouco como um objeto de estudo de Michel Foucault, também francês, também homossexual, que escreveu um ensaio sobre prisões e criminosos, justamente o ambiente onde Genet mais se adapta.

Com sua fauna, Genet mergulha em seu inferno para dar a arte como irreverência, ligando arte, crime e loucura. “Voler détermine une atitude morale qui ne s’obtient pas sans effort, c’est un acte héroïque.” (“Roubar determina uma atitude moral que não se obtém sem esforço, é um ato heroico”). Sua visão animalesca dos passos do homem tem estranhas visões que chegam a parecer experiências espirituais. “C’est donc l’élaboration d’um cérémonial érotique, d’un paridade parfois três longue, ces aventures nocturnes et dangereuses où par des sombres héros je me laisse entraîner.” (“É então a elaboração dum cerimonial erótico, dum coito talvez muito longo, estas aventuras noturnas e perigosas onde me deixo levar por heróis sombrios”).

Debruçando-se, como um autodemiurgo, sobre seus transtornos em seu abismo de viver, quase secreto muitas vezes em seu signo, Jean Genet declara, no final, que aquilo que dentro de si ele chamou Espanha, uma geografia interna, metafísica, literária que pouco tem a ver com a geografia do lado de fora. É somente uma referência, um símbolo. O sofrimento mesmo está em outro lugar, que precisamos atravessar.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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