Lingua e Memoria

Mem?ria de elefante (1979) esta eivado das necessidades pessoais de seu autor

13/02/2022 01:27 Por Eron Duarte Fagundes
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Memória de elefante (1979), o primeiro romance publicado pelo escritor português António Lobo Antunes, está eivado das necessidades pessoais de seu autor: muitas referências literárias e cinematográficas, uma personagem central (um psiquiatra) próxima demais do próprio romancista. Com o passar dos anos, Lobo Antunes foi despojando-se destas aderências: abdicando das citações diretas e nublando as possíveis marcas autobiográficas de seus textos. Lobo Antunes, de qualquer maneira, não é nenhum Henry Miller, o ficcionista norte-americano que fala exclusivamente de si mesmo: Memória de elefante é, como seriam todos os livros posteriores do escritor, um sofisticado e elaborado jogo de vozes narrativas. É claro: a altissonância barroca de Lobo Antunes se tornaria ainda mais complexa em seus “livrões” recentes, densas narrativas-rio como Não entres tão depressa nessa noite escura (2000) e Boa tarde às coisas aqui em baixo (2003).

A língua portuguesa exercitada por Lobo Antunes simula o ritmo da memória humana, como se as frases e os parágrafos representassem degraus desta memória; neste aspecto já se situa a novidade formal e temática de sua obra-prima inicial. Deslizamos pelo universo do narrador com uma sensualidade mnemônica, uma riqueza mental e linguística que nos verga em sangue e paixão. Como lá pelas tantas o narrador diz, vemos hotéis de Visconti habitados por personagens de Hitchcock; mais do que revelar a influência do cinema na literatura de Lobo Antunes, estes dois signos (Visconti e Hitchcock) definem os liames estéticos percorridos pelo livro, refinamento e sedução, extremos de linguagem entre a exuberância dos cenários e os cortes sutis e fragmentados da articulação narrativa. O velho cronista da língua Fernão Lopes (com que então alguém mais além de mim o leu?) aparece citado, pois no jeito de enlear as frases as leituras dos cronistas medievais e quinhentistas assombram a pena de Lobo Antunes. Se Fellini invadisse de súbito um drama paralisado de Tchecov, imagina o narrador de Lobo Antunes no que resultaria esta miscelânea improvável! O resultado de todo este acervo de filmes e livros é elaborado com engenho e minúcia pelo narrador de Memória de elefante. Sim: um elefante, um elefante no melhor português que se escreve hoje, o português de António Lobo Antunes.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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