Pessoa: Ou o Fato Literrio

O portugus Fernando Pessoa o gnio disperso. tambm o escritor em portugus mais conhecido fora do mbito da lngua portuguesa

09/10/2015 12:12 Por Eron Duarte Fagundes
Pessoa: Ou o Fato Literário

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O português Fernando Pessoa é o gênio disperso. É também o escritor em português mais conhecido fora do âmbito da língua portuguesa. Em sua língua pátria ele é reverenciado mas, poeta essencial, nem sempre é devidamente degustado pelos que lhe falam o idioma. Mesmo um  luso refinado como o romancista António Lobo Antunes já confessou sua predileção pelos versos do cotidiano do brasileiro Carlos Drummond de Andrade: a metafísica subjetivista de Pessoa parece incomodá-lo, um pouco ainda que seja.

Poeta basicamente, Pessoa construiu uma espécie de romance em pedaços, Livro do desassossego, composto paciente ou também angustiadamente entre os distantes  anos de 1913 e 1935. Mais despedaçado que qualquer coisa que os vanguardistas do século XX (James Joyce, Marcel Proust, Franz Kafka, Julio Cortázar) possam ter feito. Como sempre, o autor/artista Pessoa terceiriza sua arte: toma-a emprestada de um ser criado por esta própria arte. O heterônimo de agora: Bernardo Soares, um reles ajudante de guarda-livros em Lisboa. No português do Brasil: um auxiliar de bibliotecário. Pessoa chama seu texto de “autobiografia sem factos”. O fato sempre existente em Pessoa é o fato literário. E o fato literário de um poeta são as sensações interiores —ou espirituais. Dos anos 40 aos 60, o ficcionista brasileiro Lúcio Cardoso cometeu uns Diários, cuja tensão interna do artista parece estar saindo do Livro do desassossego relido sob a ótica do francês Georges Bernanos. Mas o interior de Lúcio é feito de observações do dia-a-dia, observações que Lúcio eleva à metafísica; Lúcio é um pouco como Drummond, só que mais verboso. Voltando a Pessoa, tudo o que há em seu fato é o fato-pessoa, aquilo que está dentro do artista, mesmo que, de vez em quando, espie para fora. “O comboio abranda, é o cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão.” A língua, assim como usada por Pessoa, camufla o espaço físico (Lisboa) e o transforma, ou equipara, num espaço mental (conclusão). Não é bem isto o que acontece com Lúcio, uma espécie de seguidor tropical de Pessoa.

O conflito essencial do entrevero estético em que se situa Pessoa está nas limitações sociais de sua arte, na quase impossibilidade de conciliar a vida na arte com a vida na vida. Ao propor o conflito entre o empregado no comércio Cesário Verde e o grande poeta que este escritor de fato foi, Pessoa está falando tanto de seu heterônimo em Livro do desassossego quanto de si mesmo e da infantilidade da ação do artista nas relações sociais. Vejam: “De que me serve citar-me como génio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde faz dizer ao médico que era, não o sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam a cheiro de vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.”

Pessoa, o gênio, mexeu no xis da questão. Estes dias a Habitasul criou aqui no Sul um prêmio para leitores. Leitores que fizessem —explanassem— uma leitura crítica de alguns livros. Quem ganhou foi Maria Gorete, cozinheira do hotel Laje de Pedra. Os que a ouviram se encantaram com suas leituras, inclusive o escritor e jornalista Juremir Machado da Silva, em cuja crônica fui colher estas notícias. Pois quem é essa Maria? Entre os seus íntimos, uma cozinheira de hotel. Quem escreve estas linhas aqui? É claro que não é o burocrata duma empresa de energia elétrica que sou na vida ordinária. Nem me atreveria, como Cesário Verde, a falar em crítico literário, pois esta não é minha vida. Um leitor, como certa vez me definiu anonimamente num velho artigo sobre cinema o jornalista gaúcho Luiz Carlos Merten. É este o dilema do desassossego, em Pessoa, onde Pessoa fala por todos nós, os que cozinham em hotéis ou mexem em papéis (hoje, mais em computadores) numa escrivaninha de escritório.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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