A Ficcao Paralela a Historia: Proto-Historia
Para ser lido pelo leitor apressado destes tempos multimidias, o autor se constrange na brevidade
A ambição do escritor brasileiro Paulo Valente em A morte do embaixador russo: um relato de espionagem no Brasil (2023) não é pouca: fazer o leitor mergulhar nos acontecimentos multifacetados que envolveram o Brasil em alguns episódios da Guerra Fria (entre os Estados Unidos e a União Soviética) no começo da década de 60 do século passado. O prefácio, “O Brasil e a bomba atômica”, assinado por Rubens Ricupero, personagem importante da história brasileira como ex-Ministro de Estado, assevera: “Esta novela de Paulo Valente é original na literatura brasileira, não somente por ser uma trama de espionagem, campo escassamente frequentado por nossos ficcionistas e até agora quase reservado às desastrosas incursões de arapongas tupiniquins.” O prefácio de Ricupero, detalhando situações históricas em que se dá o que o livro de Valente relata, é parte integrante para uma compreensão da novela. Da mesma maneira, o posfácio que traz uma troca de missivas entre Lincoln Gordon, ex-embaixador americano no Brasil, e o autor da novela, Valente, onde o americano contesta a versão da participação americana na morte do embaixador russo e na derrubada do governo Goulart em 1964, este posfácio é outra parte inseparável da breve novela, que busca jogar sua ficção sobre as lacunas históricas. A morte do embaixador russo começa no prefácio, prolonga-se em seu posfácio e aguça o imaginário do leitor, tendo ele vivido ou não aqueles dias tensos. Produz curiosidade: não satisfaz esteticamente. É quase um esboço de uma boa novela histórica.
O envenenamento do embaixador russo Ilya Tchernyoschov por um agente americano infiltrado na embaixada (curiosamente este agente é um russo foragido do bolchevismo), dado como morto por parada cardíaca no mar da Barra da Tijuca, no Rio, a visita de João Goulart a Moscou, o atentado terrorista da CIA num avião da Varig do Rio com destino a Los Angeles, levando uma delegação cubana para a Conferência Regional da FAO são fatos tratados de maneira ligeira, à guisa de anotação jornalística breve, por Valente. Olhamos e, quando começamos a olhar a atmosfera, o autor conclui: sem mais o quê.
Na conclusão, Valente é sintético: “A morte do embaixador russo no Rio de Janeiro, por um agente da CIA, em 21 de outubro de 1962, abortou a tentativa de inclinar o Brasil em direção à União Soviética, criando uma Cuba continental, de forma que, em 31 de março de 1964, o governo constitucional de João Goulart foi derrubado, assegurando a hegemonia americana. O Brasil só voltaria a ter eleições diretas mais de 25 anos depois, em 15 de novembro de 1989”. Ocorre que a amplidão do que trata Valente, ancorado em sua ambição, não corresponde à síntese: faltam peças para plantar o clima de época do início dos anos 60, no Brasil e no mundo. Certo: para ser lido pelo leitor apressado destes tempos multimídias, o autor se constrange na brevidade. Aqui, uma brevidade excessiva e, talvez, incompatível com seu assunto. Aparentemente.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br