Entre as Pantomimas Culturais de Hoje, Uma Entrada Para a Inteligência

Na Entrada-das-águas: Amor e Liberdade em Guimarães Rosa (2010) é uma publicação da Editora da Universidade de Caxias do Sul e trata de um tema espinhoso, a ficção do mineiro João Guimarães Rosa.

15/12/2012 00:08 Por Eron Fagundes
Entre as Pantomimas Culturais de Hoje, Uma Entrada Para a Inteligência

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 “Eu sei ler.” É a frase de Diogo Mainardi que abre o capítulo 145 de seu livro A queda; as memórias de um pai em 424 passos (2012). Uma frase aparentemente objetiva e direta que significa mais do que pronunciar palavras e saber-lhes os significados iniciais. Para quem se dedica à leitura com o interesse profissional de Mainardi ou com a paixão vasculhadora deste analista, saber ler é identificar os rumos de uma determinada leitura  e lograr dar posição ao que lê dentro do universo de leituras a que se entrega.

Nasci em Caxias do Sul, visito seguidamente esta cidade serrana, onde muitos parentes meus ainda moram. E debruço-me sobre o jornal local, “Pioneiro”, sempre que em algum fim de semana por lá aporto. Um nome cujas crônicas sempre aguçaram minha curiosidade é o de Alessandra Rech, faz talvez já uma década. Logo vi que por trás daquele texto densamente poético, criativo e reflexivo como poucos que se veem por aí, Alessandra era uma escritora. E das melhores que temos no sul do país.

 Comecei a sair no rastro de seus livros. Comecei por um ensaio. Na entrada-das-águas; amor e liberdade em Guimarães Rosa (2010) é uma publicação da Editora da Universidade de Caxias do Sul e trata de um tema espinhoso, a ficção do mineiro João Guimarães Rosa. Contrariando o senso rosiano comum e seguindo o itinerário de suas próprias leituras, Alessandra vai a um conjunto de novelas obscurecidas por Grande sertão: veredas (1956), o romanção enigmático e poemático do ficcionista; este conjunto se reúne no volume Corpo de baile (1956), analisado por Alessandra. Conhecendo-se Rosa e evocando antigas crônicas de Alessandra que saltitam em minha memória, compreende-se a identidade da ensaísta com seu intrincado objeto de estudo. Intrincado que Alessandra sabe destrincar. Primeiramente, ela sabe tratar seu tema com simplicidade, tanto quanto possível (sem superficializar) falar ao pé do ouvido como numa conversa entre amigos, o amigo escritor e o amigo leitor Alessandra nunca mitifica seu assunto que facilmente poderia tender a tal.

 Um exemplo fascinante da continuidade (muito rara de acontecer) entre o texto de um ensaísta e o texto de um ensaiado está na evocação crítica que Alessandra faz das prostitutas no universo de Guimarães Rosa:

 “A ligação das prostitutas com a limpeza e com a cura (pelas ervas medicinais) empresta um sentido elevado a seu papel social no sertão de Guimarães Rosa. Doralda, de modo similar, aparece já na introdução do texto como limpa e zelosa com a casa. Além disso, a comparação do seu cheiro com o de “menino novo” irá aproximá-la  da inocência. (...)

 Doralda era um consolo. Uma água de serra —que brota, canta e cai partida: bela, boa e oferecida. A gente podia se chegar ao barranco, encostar a boca no minadouro, no barro peguento, amarelo, que cheira a gosto de ‘moringa nova’, ou seja, o personagem mistura em seus adjetivos a figura promíscua da prostituta, que cai ‘partida, oferecida’ (mulher de muitos), com a de frescor, de pureza, da mulher enaltecida.”

 Se há muitos anos Kathrin H. Ronsefield, em Os descaminhos do demo (1993), desnudava as interconexões de linguagem em Grande sertão: veredas, coube a agora a Alessandra Rech mostrar outra travessia de Rosa, com menos balbúrdia do épico da linguagem, porém com igual densidade e criatividade em poesia da língua, desfazendo os muitas vezes ingênuos nós metafóricos do sertão de Corpo de baile.

 

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