O Correio do Povo e a Inteligência da Província

Juremir Machado da Silva é o cronista certo para radiografar o nascedouro do jornal em que escreve

07/12/2015 13:46 Por Eron Duarte Fagundes
O Correio do Povo e a Inteligência da Província

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Sabe-se que o jornal Correio do Povo é um instituto cultural do Rio Grande do Sul. Por ele algumas das mais sábias mentes verbais da província passaram. Quem não lembra os poemas do Caderno H de Mário Quintana? Ou as lições de português de Celso Pedro Luft na coluna “No mundo das palavras”?

Agora é Juremir Machado da Silva, cuja trajetória profissional convergiu inevitavelmente para os órgãos de imprensa da Caldas Júnior, quem nos oferece uma crônica dos primeiros sete dias do jornal que, na minha infância, em Bento Gonçalves, significava a visão dum leitor culto, de refinada sensibilidade e sempre inteligente: menino, eu espiava, admirado, o professor Camatti, num restaurante no centro da cidade, a ler compenetrado o jornal; Camatti foi o mesmo que, ao ler uns versos que eu cometera numa redação da época, me comparara com Augusto dos Anjos —eu tinha somente dezesseis anos.

Voltemos ao Correio e a Juremir. Ele é o cronista certo para radiografar o nascedouro do jornal em que escreve. Juremir é provavelmente o melhor texto do Brasil de hoje. Correio do Povo, a primeira semana de um jornal centenário (2015) traz à luz a figura do homem que fundou o Correio do Povo, o sergipano Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior. Antes disto, Juremir propõe esboços do que teria sido a pré-história do jornalismo gaúcho. As velhas narrativas colhidas em textos arcaicos assomam à escrita precisa de Juremir, um romancista, um escritor que escreveu romances maravilhosos de vinte anos a esta parte. Uma história da época: o cadáver do líder maragato Gumercindo Silva desenterrado para que arrancassem a cabeça do corpo morto, a cabeça conduzida pelo coronel Ramiro de Oliveira rumo de Porto Alegre e as duas chapeleiras que acompanharam o viajante com a cabeça de Gumercindo. Anota Juremir: “Por que duas chapeleiras? De quem seria a segunda cabeça? As referências à Rua da Praia, ao Hotel Lagache e às duas chapeleiras parecem marcas de verossimilhança, sendo reproduzidas e disseminadas, como um famoso barômetro na parede da sala num conto de Flaubert, apenas para reafirmar a veracidade do narrado. A chapeleira vazia seria curiosamente um preenchimento, o signo vazio que, com sua lacuna, legitima a informação duvidosa e fundamenta o mito.”

Então, no meio destes atrasos provinciais todos, surge a questão: “Por que um homem decide lançar um jornal?” E para o leitor, uma questão adjacente a esta feita por Juremir: por que um jornalista decide investigar os homens que construíram o nascimento de um jornal? Em se tratando de alguém com os alcances intelectuais, históricos, jornalísticos, literários, antropológicos de Juremir Machado da Silva, é preciso ultrapassar os aspectos institucionais duma crônica para fazer a propaganda das publicações do Correio, é preciso ir além, é preciso ver nestas inquietações muito próprias de Juremir a vontade de descobrir suas próprias origens, onde nasce esta vontade (que estaria em gente tão distante quanto Caldas Júnior e Juremir) de noticiar, propor literatura e, como não, vender visões de mundo. “Um jornal noticioso, literário e comercial”, como está na frase que fecha o opúsculo escrito por Juremir Machado da Silva.

Como tem ocorrido na última fase de sua atividade literária, Juremir tem escrito livros debruçando-se sobre velhos arquivos: um trabalho de leitura e pesquisa precede, ou acontece concomitantemente, a escrita. Claro: entrevistador de primeira, há na trajetória de Juremir ao longo da preparação do livro conversações com uma ou outra pessoa para subsidiar a composição. Fez assim ao pôr sob a forma de romance as vidas de Getúlio e Jango, embora este último tenha muito mais uma estrutura de grande reportagem. O livro sobre o Correio do Povo e seu fundador não assume a forma romanesca, sem embargo de, em certas partes separadas, a tangencie. Correio do Povo, a primeira semana de um jornal centenário é muito mais uma grande e perplexa crônica de época, que busca iluminar os tempos atuais do jornalismo por aqui fazendo um mergulho nos anos iniciais da modernidade jornalística.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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