O Poeta no Banco do Critico

Em O Cinema de Meus Olhos, Vinicius percorre este fogo na treva que, segundo ele, fecunda a imagem subjetiva que vem a ser o proprio cinema

04/08/2015 15:50 Por Eron Duarte Fagundes
O Poeta no Banco do Critico

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Em O cinema de meus olhos (1991), coletânea de textos de cinema de Vinicius de Moraes organizada por Carlos Augusto Calil, Vinicius revela-se antes um cronista das coisas do cinema que um crítico tal como hoje o entendemos. Falta-lhe antes de tudo o rigor analítico. Mas sobra-lhe a capacidade para manejar a língua (nunca esqueçamos: ele foi um de nossos melhores poetas) e uma aguda intuição para perceber o fenômeno cinematográfico. Adotando um saboroso tom de conversador carioca (aquele que talvez seja na atualidade o mais agudo analista brasileiro de filmes, o carioca José Carlos Avellar, tem um pouco disto, mas seus aparelhos de análise são muito maiores que aqueles de que dispunha “o poetinha” nos anos 40), Vinicius nos deslumbra com a eternidade de sua prosa, ainda que muitos dos conceitos esposados pareçam muito fora de moda; mas este fora de moda é igualmente parte da beleza do senso crítico “desaparelhado” de Vinicius.

Descobrir seu amor pelas estrelas cinematográficas e sua desassombrada visão de Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, (acompanhamos enlevados suas correrias cariocas em busca dum Welles que filmava por aqui um de seus muitos projetos inacabados), permite aquilatar a permanência das crônicas de Vinicius. É sua capacidade para engendrar teorias surpreendentemente avançadas para o estágio da crítica de cinema de então o que vai chamar-nos a atenção ao longo da leitura; por exemplo, ao analisar a única experiência como diretor de cinema do ficcionista Lúcio Cardoso, Vinicius assim se expressa num artigo de 1951: “Mas o cinema é uma arte que é também uma indústria. Tem uma cozinha ingrata que é danada. Poucas manifestações do pensamento humano precisam mais de gerência, de administração — e Lúcio Cardoso é o antiadministrador por excelência.” Assim, o filme A mulher de longe frustrou seu realizador, o escritor mineiro Lúcio Cardoso. Num texto de 1965, o carioca José Lino Grünewald, já aparelhado pela Nouvelle Vague e pelo Cinema Novo, sai-se com a seguinte frase: “E é esse também o sentido revolucionário de O ano passado em Marienbad, quando Alain Resnais administra o espetáculo rompendo com todas as possíveis experiências anteriores que viriam a cristalizar o filme em filamentos de conceitos.” Quer dizer: intuitivamente Vinicius lançou o conceito do diretor de cinema como administrador, algo que Grünewald sofisticaria e complexificaria depois com instrumentos críticos de que Vinicius não ousava dispor. Algo também próximo daquela noção do cineasta como alguém que leva seu trabalho para o terreno da atividade social (diferentemente do que ocorre com outros artistas, como escritores ou pintores): pensamento desenvolvido com brilho pela ensaísta norte-americana Pauline Kael nos anos 60. Vinicius como antecipador disso tudo? É uma observação deliciosa de se fazer a partir de seu despretensioso e amigável texto em torno do único filme realizado pelo prosador brasileiro Lúcio Cardoso.

Em O cinema de meus olhos Vinicius percorre este fogo na treva que, segundo ele, fecunda a imagem subjetiva que vem a ser o próprio cinema. Ler o Vinicius cinematográfico é descer escorreito rumo a um saber que se perdeu no tempo mas pode ser ressuscitado pela magia de um livro.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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