O Ardor Verbal e Moral de Zola

J'accuse: a verdade em marcha eh uma peca da literatura de Zola tao importante quanto seus romances

23/12/2020 14:16 Por Eron Duarte Fagundes
O Ardor Verbal e Moral de Zola

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Émile Zola é um dos escritores mais influentes da França. Fez escola e sucesso em seu tempo; e tem sobrevivido à passagem dos séculos graças à perenidade e à agudeza com que aborda temas cruciais da humanidade. Na parte final de sua vida ele ficou ainda mais célebre pela polêmica política em que se envolveu ao defender, em artigos de jornais, o capitão Alfred Dreyfus, acusado de alta traição à pátria francesa e depois condenado e encarcerado; ouvindo as partes envolvidas na questão Dreyfus, Zola percebeu o golpe militar contra um judeu e notou a falsidade das provas; Zola acabou processado e também preso, mas no fim a verdade, pela qual ele batalhava, assomou e os processos e as condenações foram anuladas. No entanto, pouco depois, em 1902, Zola morreria asfixiado por um escapamento de gás em sua residência; nunca se explicou bem esta morte e há indícios de que foi um assassinato perpetrado pela direita militar incomodada com o que seu verbo fizera com o Exército francês.

J’accuse: a verdade em marcha (J’accuse...! La vérité en marche; 1901) é uma peça da literatura de Zola tão importante quanto seus romances. O próprio escritor vê o conjunto de textos sobre o caso Dreyfus como apontamentos para um romance. “Que drama pungente, e que soberbos personagens! Diante desses documentos de uma beleza trágica que a vida nos traz, meu coração de romancista vibra numa admiração apaixonada. Não conheço nenhuma psicologia mais elevada.” Diz-se que Zola estava preparando tal romance Dreyfus, e este seria o motivo de seu assassinato por vozes nas sombras temerosas da ressurreição do caso. Zola era ardoroso e convicto. “A verdade está em marcha e nada a deterá.”

A fúria verbal de Zola ainda pode contaminar o leitor de hoje, imerso em outras preocupações. Às vezes excessivo e melodramático, com um verbo mais solto para os escrúpulos flaubertianos (Emma não é Nana), Zola permanece vivo e cada vez mais necessário que o ressuscitemos nestes dias de agora. Trechos assim que falam da moral dúbia da sociedade francesa do fim do século XIX e que gerou algo como o caso Dreyfus, poderiam referir-se a várias circunstâncias sombrias destes princípios do século XXI: “E os pensamentos covardes nascem nos espíritos mais firmes, há cadáveres demais, vai-se abrir uma fossa para enterrá-los às pressas com a esperança de que não se fale mais nisso, mas com o risco de que sua decomposição atravesse a fina camada de terra que os recobre e logo espalhe a peste pelo país inteiro.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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