O Branco, o Preto e o Futuro

Quanto custa a fantasia? Será que são mesmo necessários milhões para fazer uma boa ficção científica?

15/09/2016 23:12 Por Bianca Zasso
O Branco, o Preto e o Futuro

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Branco Sai, Preto Fica filme cartaz

O Branco, o Preto e o Futuro

Quanto custa a fantasia? Será que são mesmo necessários milhões para fazer uma boa ficção científica? Um gênero tão poderoso para falar de problemas do presente, precisa mesmo de tanto efeitos especiais? Perguntas e mais perguntas e um nome é a resposta: Adirley Queirós. Não sabe de quem se trata? Pois assista Branco sai, preto fica e você vai descobrir. Mas não custa informar que Adirley é um cineasta que nasceu na cidade de Morro Agudo de Goiás e que mora e retrata a cidade de Ceilândia, no Distrito Federal, com um olhar singular. Seu primeiro trabalho em longa-metragem, o documentário A cidade é uma só? já dava uma ideia de qual seria seu norte ao ingressar no universo ficcional: o de nunca abandonar a realidade, mesmo quando se dispõe a fazer um filme que envolve viagens no tempo e bombas de rap.

Branco sai, preto fica nasceu para ser 100% ficção. No entanto, nosso cinema ainda é feito, na sua maioria, com dinheiro vindo de editais. E o edital que surgiu para Queirós foi de documentário. Sem problemas, já que o diretor já tinha experiência neste gênero. Mas como deixar escapar a história que havia criado? Simples, basta inseri-la em uma história real. Mas inserir de verdade, utilizando inclusive participantes sobreviventes do ocorrido. Branco sai, preto fica, o título e a frase, fazem parte das memórias de quem participou de uma invasão ao baile black conhecido como Quarentão, na Ceilândia, que acabou em violência por parte da polícia, que não poupou cassetetes para conter um grupo de jovens que só queria se divertir. O preconceito estava nos gritos de “branco sai, preto fica”. Os protagonistas do longa, Marquim e Sartana, trazem no corpo as marcas daquele baile. O primeiro está preso a uma cadeira de rodas e o segundo perdeu uma das pernas. Homens que necessitam de pequenos inventos para conseguir viver, como o elevador improvisado que Marquim usa para poder chegar até sua casa e a perna mecânica que Sartana vive regulando. Como pano de fundo, o clima seco e o céu sem fim da cidade-satélite de Brasília.

Flertando com cenários presentes em filmes apocalípticos como a franquia Mad Max, Branco sai, preto fica se vale de um cenário verdadeiro, mas que quando observado com mais cuidado se encaixa com perfeição no universo da ficção-científica, não apenas pela presença de Cravalança, personagem que veio do futuro para desvendar o mistério do Quarentão para que um processo possa ser aberto contra o governo brasileiro no ano de 2070. Sua máquina do tempo é um container, que a magia do cinema torna um objeto inovador. Acreditamos que ele veio do futuro, por mais que sua aparência não lembre em nada as roupas prateadas que Hollywood tenta vender até hoje como moda futurista. Justamente por se valer de objetos e questões de extremo realismo é que o filme de Queirós conquista, já que não temos a sensação de escapismo que o gênero costuma nos dar, já que a ficção-científica aqui, é parte de um plano para tentar mudar uma realidade que, ao saímos da sessão, vamos encontrar na primeira esquina.

Outro ponto interessante de Branco sai, preto fica é a trilha sonora. O personagem Marquim comanda uma rádio pirata que roda vinis com grandes sucessos dos anos 70 e 80, em especial do Hip-Hop americano e brasileiro. As músicas que animavam o Quarentão agora ditam o ritmo da vingança megalomaníaca de Marquim e Sartana contra Brasília, já que os novos tempos não admitem que os moradores da periferia entrem na capital sem a apresentação de um passaporte. Segregação, em outras palavras. O que era diversão de final de semana, torna-se hino de uma revolução orquestrada em casas com fiação aparente e pouco conforto.

Revolucionário e questionador, Branco sai, preto fica merece ser visto e revisto não só por ser bom cinema, mas porque permite muitas possibilidades ao seu público. É diversão, é protesto, é cinema marginal como há muito não se via no Brasil, é premiado e é bem produzido. A cada revisão, um novo filme para guardar na memória. Apesar de ter estreado em poucas salas no país, agora ele faz parte do acervo da plataforma Netflix. Uma chance do mundo descobrir que aqui sempre teve ficção-científica e sempre terá. Inspiração é o que não falta num Brasil com tantos golpes. De estado e de destino.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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