Amantes do Roteiro
Misteriosa Paixão é uma comédia de humor negro com toques de suspense que não se leva à sério e, por isso mesmo, funciona
O nome do diretor inglês Rolland Joffé está ligado a produções dramáticas como os premiados A Missão e Os Gritos do Silêncio. No final dos anos 90, ele dirigiu um filme com uma temática bem distante das apresentadas em seus sucessos. O longa-metragem em questão, Misteriosa Paixão (título esdrúxulo para o original Goodbye Lover), é uma comédia de humor negro com toques de suspense que não se leva à sério e, por isso mesmo, funciona. Joffé é talentoso, mas o real responsável pela empatia do público com a história é um dos rapazes que escreveu o roteiro sem medo de deixar sua marca impressa em cada linha.
Joel Coen, irmão de Ethan, com quem já dividiu diversos roteiros e produções, como Arizona Nunca Mais e Onde os Fracos Não Têm Vez, pode até ter seu nome passando em brancas nuvens nos créditos iniciais de Misteriosa Paixão, mas bastam alguns minutos de filme para detectarmos seus ingredientes. Vamos à trama: Sandra, interpretada por Patricia Arquette e seu belo par de pernas, muito bem explorados pela câmera, por sinal, é casada com o empresário alcoólatra Jake e mantém um caso com o irmão dele, Ben. Desejar a cunhada e ser correspondido não é nenhuma novidade desde antes de Nelson Rodrigues lançar suas histórias, mas isso é apenas o começo. Bem engata um romance com sua secretária, a romântica Peggy, para tentar afastar-se de Sandra. Quarteto amoroso devidamente formado, Misteriosa Paixão começa para valer. Daí em diante, não espere mais nenhum clichê.
O elenco está ótimo, em especial Arquette, que repete a dose da voz sussurrada que seduziu o público em Estrada Perdida, de David Lynch, e ainda ganhamos de brinde uma Ellen DeGeneres dando vida a uma detetive que não perde o caso nem a piada. É ela que, apesar de ser coadjuvante, passeia pelas reviravoltas do enredo, de assassinato em assassinato, permeando as descobertas dos podres dos personagens junto com a plateia. Na boca de cada um deles, surgem frases que só um irmão Coen poderia criar.
A tentação de cair na gargalhada no meio de uma cena tensa ou de esperar uma reação sexy e receber algo trivial é típico do universo dos filmes da dupla e pode ser identificado em Misteriosa Paixão sem muito esforço. No entanto, mesmo com a boa mão de um Coen no roteiro, o filme se perde do meio para o fim, quando o público espera outro destino para os personagens, mesmo os odiados desde a primeira cena.
Uma curiosidade: Ellen DeGeneres não gostou do final da sua detetive e pediu que ele fosse mudado. O motivo do desgosto, não sabemos. No entanto, é justamente nesse desenlace que percebemos que algo se perdeu, talvez algumas linhas de diálogos ou até mesmo uma cena inteira que seria mais recompensadora para o público que a mostrada no final de Misteriosa Paixão. Mudanças à parte, o final que foi para os cinemas agradou Ellen. Talvez só ela. Se a direção estivesse na mão dos Coen, Ellen ficaria insatisfeita, mas o público ganharia uma boa risada.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.