Framos Grandes: O Passado Antes do Passado

Um roteiro que se passa na cabea de algum que v a Copa do Mundo no Brasil pela televiso e dando com os movimentos das ruas e com as leituras de jornais. O roteiro vira filme.

21/07/2014 10:30 Da Redação
Fôramos Grandes: O Passado Antes do Passado

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A FANFEST de Porto Alegre, à beira do Guaíba,
no aglomerado para ver no telão
o jogo final entre Argentina e Alemanha

 

 

(Imagina o texto abaixo como um roteiro cinematográfico. Um roteiro que se passa na cabeça de alguém que vê a Copa do Mundo no Brasil pela televisão e dando com os movimentos das ruas e com as leituras de jornais. O roteiro vira filme. E o texto-roteiro se converte um pouco numa crítica de cinema que fala de si mesma e que é também um filme que trata da Copa do Mundo. Justifica-se aí sua inclusão em Cinemania. Futebol é cinema. Desde um de seus lances iniciais: Fred encenando uma queda na grande área. Ou esta queda encenada é verdadeira?)

 

 

Fôramos Grandes: O Passado Antes do Passado

Pré-escrito. “Ele executa os dribles e os chutes, ele tenta os passes e os gestos que correspondem àquilo que os espectadores brasileiros desejam ver. Estes não são bobos: eles sabem muito bem que a época do ‘joga bonito’, o belo jogo mítico das seleções brasileiras não menos míticas do passado, já não tem lugar.” (Albrecht Sonntag, sociólogo alemão escrevendo em francês no Le Monde, alfinetando as relações de Neymar com o torcedor brasileiro). NOTA 1.

 

 

A história se repete como farsa. 2014 é a versão farsesca de 1950. Substituímos o Maracanã pelo Mineirão, descemos da corte (Rio de Janeiro) para o interior do país (Belo Horizonte). Como nos deixamos enganar, nestes tempos em que a televisão exibe seu hiper-realismo? Que ingenuidade foi esta que nos fez acreditar que a bola na trave no minuto derradeiro da prorrogação contra o Chile era o prenúncio de que os deuses do futebol estavam conosco, mesmo que os semideuses de campo se tenham esfumaçado em nossas míticas seleções do passado, como escreveu Albrecht Sonntag, um sociólogo alemão (puxa!) que escreveu em francês (uma língua apropriada para ironias) para o Le Monde algumas notas sobre futebol à luz da Copa de 2014? Os 7 a 1 que tomamos dos alemães serviram para isto mesmo: para cancelar a ilusão de que poderia ser diferente. Não tinha mesmo como ser diferente. Em nosso jogo de estreia, houve o lance de Fred, cujo instinto de simulação foi acusado internacionalmente. Stéphane Lannoy, o principal árbitro de futebol da França, escreveu no Le Monde: “O que me choca mais não é o erro de M. Nishimura, é a simulação de Fred.” (Nota 2) Deslocando a análise do ato do juiz para o comportamento do atleta, a conclusão de Lannoy adquire contornos morais, de ética futebolística: “O futebol não precisa de vídeo, o futebol precisa apenas de jogadores mais honestos”. (Nota 3) Durante um bom tempo na Copa do Mundo, os brasileiros discutimos o que Fred fez, se sua culpa era maior que a do juiz, se sua conduta era mais nociva que a mordida do uruguaio Suárez no ombro dum adversário e, quando Neymar teve uma das vértebras quebradas, embolamos tudo, para discutir se Fred seria mais criminoso que o uruguaio e o colombiano. Será que a discussão tinha, futebolisticamente, importância? Supomos que o pênalti tivesse sido bem marcado, claríssimo: as dificuldades brasileiras contra a Croácia naquele segundo tempo só seriam resolvidas assim, talvez, um pênalti, uma jogada fortuita. A goleada alemã serviu para isto: para se retornar ao futebol. É o que ficará da Copa. Simplesmente porque vai ser difícil que ocorra coisa parecida no futuro entre estas duas seleções. Lulu d’Ardis, cartunista francês do Le Monde, desenhou um Cristo à maneira do Cristo Redentor no Rio, e junto ao peito do Cristo pôs uma ave agourenta, quase toda negra; no espaço acima do desenho Lulu, como bom francês, ironizou-nos, compondo uma frase de mau agouro que parece estar saindo daquela ave preta que vemos: “Eles se lembrarão dela por muito tempo, os brasileiros, de sua copa do mundo...” (Nota 4) Fôramos grandes em algumas Copas: em nossa “segunda” Copa do Mundo nosso amadorismo se revelou diante dos germânicos. No dia em que Neymar quase ficou paralítico, no interior da França, em Albi, uma mãe de aluno matava, a facadas, em sala de aula, diante das crianças, uma professora; a página policial do Le Monde anotava: “Testemunhas , citadas pela France Info, dizem que gritos foram ouvidos antes da agressão, notadamente a frase ‘eu não sou uma ladra!’ ”. (Nota 5) Esta mãe criminosa é um pouco como o Brasil: depois de ser acusado no primeiro jogo de fraudar a competição, chega assustado diante da Alemanha para exclamar seu “eu não sou ladrão!”. Perdedor: tudo bem. Ladrão: complicado. Perder, e daquela maneira, sanou as dúvidas: nem com cem por cento dos juízes poderíamos ganhar.

NOTA 1: “Il execute les dribles et les tirs, il tente les passes et les gestes qui correspondent à ce que les spectateurs brésiliens désirent voir. Ces derniers ne sont pas dupes: ils savent très bien que l’époque du ‘joga bonito’, le beau jeu mythique des seléctions brésiliennes non moins mythiques du passé, est bien révolue.”

NOTA 2. “Ce qui me choque le plus, ce n’est pas l’erreur de M. Nishimura, c’est la simulation de Fred.”

NOTA 3. “Le football  n’a pas besoin de la vidéo, le football a juste besoin de joueurs plus honnêtes.”

NOTA 4. “Ils s’en souviendront longtemps, les brésiliens, de leur coupe du monde…”

NOTA 5. “Des témoins, cités par France Info, disent que des cris ont été entendus avant l’agression notamment la phrase ‘Je ne suis pas une voleuse!’ ”

(eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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