Bernardet e Tata: Roteiro e Realizao

Eron Fagundes indaga: O que se pergunta, sentir-se-ia que o roteiro de Hoje se est dissolvendo na montagem?

15/12/2012 00:23 Da Redação
Bernardet e Tata: Roteiro e Realização

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Antes do escrito: “É praticamente impossível deduzir o roteiro de um filme pronto. Aprendi isso na Femis de Paris. Dei várias vezes o exercício de escrever o roteiro a partir de uma sequência de filme, por exemplo, PIXOTE. Ninguém acerta.

O roteiro de HOJE partiu de premissas narrativas e dramáticas sólidas. Mas o processo de trabalho acabou fazendo com que a organização final da narrativa se fizesse na ilha da montagem.” (Post de Jean-Claude Bernardet, in “Blog de Jean-Claude Bernardet”)

O que se pergunta: sentir-se-ia que o roteiro de Hoje se está dissolvendo na montagem? Pode-se falar em roteiro decupado, o roteiro que se faz depois da filmagem e montagem, depois do filme pronto, como fez o próprio Jean-Claude com São Paulo S.A. (1965), de Luiz Sérgio Person, editando em livro um pós-roteiro minucioso e articulado por visões do filme diante da moviola? Então, não existe isto de “ninguém acerta”: qualquer descrição de roteiro, tal como o espectador vê diálogos/enquadramentos/montagem/iluminação/etc, está certa. Este introito pode ser um dos capítulos de meu livro “Meus conflitos com Bernardet, admiração e repúdio”.

 

 

BERNARDET E TATA: ROTEIRO E REALIZAÇÃO

 

Pode-se dizer que o rigor teatral e literário de uma escrita cinematográfica às vezes funciona quando os elementos duma narrativa assim se dispõem consoante uma estrutura de cinema. É o que se vê em Hoje (2011), onde a cineasta Tata Amaral, amparada num roteiro assinado por, entre outros, o ensaísta Jean-Claude Bernardet a partir dum livro de Fernando Bonassi, enforca os meios fílmicos num cenário reduzido (um apartamento) e em personagens escassas (são duas figuras centrais, um homem e uma mulher, com saliência para a criatura vivida por Denise Fraga, surpreendentemente longe de seus vícios televisivos, ainda que o uruguaio Cesar Trancoso, com seu sotaque estrangeiro que mimetiza um pouco o jeito-Bernardet de falar-escrever, também se realce em suas aparições). O texto, muito rigoroso e despojado, fala das memórias duma ex-ativista política, presa e torturada, durante a ditadura militar brasileira; é Denise, na pele de Vera, quem fala quase o tempo inteiro, oscilante entre suas evocações e o cotidiano às voltas com operários que reformam seu apartamento e com a torneira que não para de pingar (os pingos constantes da torneira simulando os pingos mnemônicos na cabeça da personagem).

A realizadora de Um céu de estrelas (1997) e Através da janela (2000) chega em Hoje a seu momento mais cruamente claustrofóbico, edificando o ponto máximo de seu estilo de filmar. Em certos aspectos Hoje é parente duma realização como Solo (2009), do também brasileiro (e também paulista) Ugo Giorgetti, onde um intérprete tergiversa o tempo de narrativa para a câmara e o público, exigindo o máximo de atenção para seus dizeres e gestos faciais; Denise ainda divide um pouco a cena com Trancoso, mas carrega o peso maior ainda assim; o vomitório para o espectador é áspero, seco, encontrando uma abertura poética para alguns significados literários e teatrais de sua encenação e para seus estranhos e superpostos tratamentos de imagens —como aquela imagem em que Trancoso diz, filmado de perfil, um texto em espanhol que a câmara também apanha escrito numa página que corre ao longo do plano; aí se sedimenta uma relação que palpita ao longo de Hoje, o texto fílmico (ainda que amparado no cotidiano) tem um jeito literário de expressar-se, escrita e fala estão muito próximas num filme como Hoje. Quem disse que a literatura não pode ser cinema? São Bernardo (1972), clássico de Leon Hirszman, bastante diferente de Hoje, já o comprovava.

Cinema é roteiro. Cinema é realização. Cinema pode ser também este texto crítico pensado como um roteiro cinematográfico.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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