Melodrama Japones Resiste ao Ruir das Decadas

Em Os Amantes Crucificados estamos diante da obsessao japonesa pelo amor desmesurado

03/12/2020 14:05 Por Eron Duarte Fagundes
Melodrama Japones Resiste ao Ruir das Decadas

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Kenji Mizoguchi, um dos grandes nomes do cinema japonês, é um realizador muito pessoal em sua linguagem e Os amantes crucificados (Chikanatsu monogatari; 1954) é um ponto de perspectiva para que o observador, com clareza, perceba isto. A câmara alta é utilizada em todos os enquadramentos e isto transforma os planos gerais do diretor numa lente em que os cenários narram mais que a própria montagem (para comparar com outro artista do despojamento, basta lembrar que o francês Robert Bresson escava sua interioridade na montagem, ou seja, na relação entre uma imagem e outra); os planos gerais em Mizoguchi melhor se chamariam planos-ambiente, uma categoria de classificação genérica a que se chama plano geral. Esta maneira de filmar leva a escrita fílmica a produzir uma contiguidade rítmica que converte cada imagem da narrativa num rigor clássico sem par na história do cinema. Pode-se dizer que a câmara alta se opõe à câmara baixa (plano tatami) de outro diretor japonês, Yasujiro Ozu, recriado em parte pelo francês Jacques Doillon em Ponette, à espera de um anjo (1996); os planos fixos de Ozu igualmente diferem das características contemplativas dos planos-ambiente de Mizoguchi.

É bom observar: sem embargo de seu rigor de encenação, Mizoguchi nunca desumaniza o plano cinematográfico, como o faz o inglês Peter Greenaway em seus eventos estéticos; em Mizoguchi a estética contorcida se oculta para dar passagem a uma profundidade humana tocante e às vezes surpreendente. Pelas escalas de sua linguagem, Mizoguchi deixa a emoção gotejar; não se peja de expor as características melodramáticas de seu roteiro.

Em Os amantes crucificados estamos diante da obsessão japonesa pelo amor desmesurado, capaz de enfrentar a tentativa social de aprisioná-lo em algumas regras. Ambientando a tragédia dos amantes numa época que punia com a humilhação de morrer crucificado o adultério, Mizoguchi dispõe diante das câmaras as feridas feudais da sociedade de seu país. Outros realizadores nipônicos, como Nagisa Oshima em O império dos sentidos (1976) e mais recentemente Takeshi Kitano em Dolls (2002) mostraram as alterações desta radicalização do amor na evolução social. A visão de Mizoguchi é ainda serenamente clássica; assim como a expressão dos dois amantes que seguem amarrados e juntos para a crucificação no plano final; uma voz feminina da multidão que os vê seguir para o desenlace murmura, pescando o próprio pensamento do espectador sobre as personagens e o filme: “Nunca a vi tão tranquila; e ele, contente. Custa crer que estejam caminhando para a morte.” De mãos dadas, conduzidos para o fim, interrompe-se o filme; o término abrupto, elíptico, era uma característica de certas narrativas cinematográficas desabotoadas (ainda bem) dos anos 40 e 50.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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